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domingo, 31 de março de 2019

“Fátima: Mensagem de tragédia ou de esperança?”

Fátima, página 3


Continuação de “Fátima: Mensagem de tragédia ou de esperança?”







A divulgação da terceira parte do Segredo

Chegamos finalmente ao Pontificado de João Paulo II cujo interesse por Fátima não era recente, mas que cresceu muito de ponto após sofrer um sacrílego atentado justamente na data de 13 de maio, no ano de 1981. Tendo mandado vir o envelope com o Segredo no dia 18 de julho desse ano, imediatamente se sentiu identificado com a figura do “Bispo vestido de branco” do qual fala o texto. A propósito, externou mais tarde a convicção de que “foi uma mão materna que guiou a trajetória da bala e o Santo Padre agonizante deteve-se no limiar da morte” (Meditação com os Bispos italianos em 13 de maio de 1994).

Entretanto, nem por isso decidiu-se logo pela publicação. Só mais recentemente — declara Sua Santidade — “ao parecerem-me já amadurecidos os tempos, julguei oportuno tornar público o conteúdo da chamada terceira parte do segredo” (alocução na audiência geral de quarta-feira 17 de maio de 2000, Voz da Fátima n° 933, 13-6-00).

No dia 13 de maio de 2000, na esplanada do Santuário de Fátima, o Cardeal Angelo Sodano, Secretário de Estado, foi incumbido por João Paulo II de anunciar essa histórica decisão. Serviu de quadro de fundo para o anúncio a beatificação dos videntes Francisco e Jacinta, que o Santo Padre fazia nesse dia, tendo-se deslocado especialmente de Roma a Fátima para esse efeito.

A publicação do Segredo devia fazer-se acompanhada de um “adequado comentário” — segundo palavras do Cardeal Sodano — do que ficou encarregada a Congregação para a Doutrina da Fé. Esta, no dia 26 de junho de 2000, deu a lume o documento intitulado A mensagem de Fátima, distribuído com grande aparato publicitário na Sala Stampa da Santa Sé e via Internet, em seis línguas (alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e português). A sessão na Sala Stampa — secretariada pelo porta-voz oficial da Santa Sé, Dr. Joaquín Navarro-Vals — foi presidida pelo próprio Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação, acompanhado de Mons. Tarcisio Bertone, Arcebispo-emérito de Vercelli e Secretário da Congregação, e retransmitida ao vivo pela rede de TV estatal italiana e outras emissoras de TV de todo o mundo.

O documento — do qual extraímos vários elementos do histórico acima apresentado — contém diversas peças da maior importância:

a) uma Apresentação geral, feita por Mons. Bertone;

b) o fac-símile dos manuscritos da Irmã Lúcia referente às três partes do Segredo de Fátima (a partir dos quais inferimos o formato do fólio do terceiro Segredo), bem como a respectiva transcrição em caracteres tipográficos;

c) carta de 19 de abril de 2000 de João Paulo II à Irmã Lúcia, pedindo que respondesse “aberta e sinceramente” às perguntas sobre a interpretação do Segredo que o Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé lhe faria em nome do Pontífice;

d) relatório do Colóquio de Mons. Bertone e do Bispo de Leiria com a Irmã Lúcia no Carmelo de Coimbra, no dia 27 de abril;

e) Comunicação feita em Fátima, no dia 12 de maio, pelo Cardeal Sodano;

f) e, por fim, o Comentário teológico, feito e assinado pelo Cardeal Ratzinger, contendo uma explanação sintética sobre o “lugar teológico” da revelação pública e das revelações privadas na Igreja, seguido de “uma tentativa de interpretação do ‘segredo’ de Fátima”.

O Cardeal Ratzinger, na conferência de imprensa da Sala Stampa foi enfático ao afirmar que não se tratava de uma “interpretação oficial”, e que, portanto, de forma alguma a Santa Sé pretendia impô-la como tal, pelo que se deduz estar facultado aos estudiosos tentar aprofundá-la ou mesmo oferecer novas perspectivas de interpretação. Com quanta prudência e modéstia devem fazê-lo é supérfluo encarecer.

De nossa parte, foi o que despretensiosamente procuramos fazer nos comentários com que acompanhamos o texto do terceiro Segredo, no Capítulo II deste trabalho, aduzindo conceitos da espiritualidade montfortiana (de São Luís Maria Grignion de Monfort), bem como enriquecimentos desses conceitos produzidos pelo eminente pensador e homem de ação brasileiro, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, falecido em 1995. Dois artigos seus (de 1953 e 1958, respectivamente) que integram este volume, constituem autênticas glosas do terceiro Segredo, feitas com quatro décadas de antecedência!

Feita assim a publicação do segredo pela própria Congregação para a Doutrina da Fé, tal fato conferia, de certo modo, um caráter “oficial” à publicação do Segredo (não, como salientamos acima, à interpretação que o acompanhava), conforme salientou o Bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva, em entrevista ao semanário Alfa e Omega(apud Avvenire, 27-6-2000). Com isso, Fátima, sem perder o seu caráter de revelação particular, cresceu muito em importância aos olhos dos fiéis. E cresceu também em atualidade, como ressaltou o mesmo Bispo de Leiria-Fátima, ao responder a outra pergunta na mesma entrevista:

— “O sr. acredita que, com este acontecimento da publicação do segredo, se fecha, de certo modo, o século XX?

— Eu não diria que se fecha algo, mas antes que se abre como uma janela de esperança
 sobre este século, a esperança de conversão pessoal de cada um de nós, da humanidade inteira, a fim de que se possa encontrar finalmente a paz” (loc. cit.).
Será o Grande Retorno da humanidade para Deus, a que nos referimos ao comentar a cena final do terceiro Segredo (cfr. Capítulo II deste trabalho).



* * *

Para completar a análise do tema, convém elucidar duas perguntas que afloraram com freqüência após a divulgação da terceira parte do Segredo:

Por que a Santa Sé reteve durante 40 anos a divulgação do Segredo?

1a pergunta — Se o Segredo “era só isso”, por que a Santa Sé demorou tanto tempo para divulgá-lo?

— Como resposta cabe dizer que quem se refere ao terceiro Segredo como sendo “só isso” —seriam os tais “desiludidos” a que aludiu o Cardeal Ratzinger (cfr. A Mensagem de Fátima, pp. 31 e 42) — certamente não conseguiu penetrar o sentido misterioso e profundo de suas metáforas. O que, aliás, não surpreende, pois o mesmo Cardeal Ratzinger sentiu essa dificuldade ao ressaltar, logo no início de seu Comentário teológico, que se trata de “uma cena descrita numa linguagem simbólica de difícil decifração” (A Mensagem de Fátima, p. 31).

De qualquer modo — alega-se — a morte de um Pontífice, bem como a de tantos prelados e gentes de todas as condições sociais, previstas no terceiro Segredo, constituíam motivo mais do que suficiente para não manter o mundo assustado sob essa espada de Dâmocles. — Mas este susto não poderia ter sido salutar, fazendo ver à humanidade o perigo que corre, ao distanciar-se cada vez mais de Deus?

Este argumento, portanto, não parece decisivo, nem pró, nem contra, a divulgação do terceiro Segredo.

Haveria alguma razão mais profunda que teria levado a Santa Sé — mais precisamente os Sumos Pontífices João XXIII e Paulo VI — a optar pela não divulgação?

A data de 1960, indicada pela Irmã Lúcia para a revelação do Segredo, apresenta uma notável proximidade com a convocação do Concílio Vaticano II (25 de janeiro de 1959) e sua efetiva realização (1962-1965). Que efeito poderia ter a revelação do Segredo sobre os rumos da magna Assembléia Conciliar? — É uma pergunta que parece ter todo o cabimento, tanto mais quanto a mesma Irmã Lúcia declarou ao Cardeal Ottaviani que, a partir dessa data, o Segredo se tornaria mais claro. E o grande evento da década de 60 foi precisamente o Concílio Vaticano II.

Ora, analisando o desenrolar dos trabalhos conciliares, vê-se que havia desde o início o desígnio de uma ponderável parcela da Assembléia Conciliar de promover uma abertura da Igreja ao mundo moderno — era então comum a metáfora de uma abertura das janelas da Igreja, a fim de que a atmosfera reinante no interior do Templo se difundisse de modo benfazejo pelas ruas do mundo. Como é sabido, esse desígnio se concretizou mais especificamente com a promulgação da “Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje”Gaudium et spes (7-12-1965). Tal documento foi o fruto da esperança, manifestada pela maioria conciliar, de que o mundo moderno corresponderia gaudiosamente — daí o nome Gaudium et spes — ao desejo da Igreja de uma cessação do regime de hostilidade, vigente até então entre ambas as partes, e o início de uma colaboração amistosa e profícua entre a Igreja e o mundo secular.

Passadas quatro décadas do fim do Concílio, nenhum historiador realista deixará de concluir que o mundo não correspondeu a essa expectativa. Pelo contrário, vai se manifestando cada vez mais adverso a Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua Igreja, empenhado decididamente em excluir Deus de qualquer presença na vida pública e resolvido a confinar a Igreja no interior de suas fronteiras. E, mais ainda, a assaltá-la, se possível, dentro de suas próprias muralhas.

Assim, em vez de o incenso de agradável odor se difundir através das janelas do Templo, o que se viu foi o contrário; isto é, como observou o próprio Pontífice Paulo VI, foi a pestilência do mundo — “a fumaça de Satanás” — que, por alguma fissura, penetrou no Templo de Deus... (cfr. sermão de 29 de junho de 1972).

Também o atual Pontífice, Bento XVI, aborda, com muita subtileza, a mesma problemática: “A questão torna-se mais clara se, em lugar do termo genérico ‘mundo de hoje’, escolhêssemos um outro mais preciso: o Concílio devia determinar de modo novo a relação entre Igreja e idade moderna. (...) Quem esperava que com este ‘sim’ fundamental à idade moderna todas as tensões se dissolvessem e a ‘abertura ao mundo’ assim realizada transformasse tudo em pura harmonia, subestimou as tensões interiores e até as contradições da própria idade moderna: subestimou a perigosa fragilidade da natureza humana que, em todos os períodos da história e em toda configuração histórica, é uma ameaça para o caminho do homem. Estes perigos, com as novas possibilidades e com o novo poder do homem sobre a matéria e sobre si mesmo, não desapareceram, mas assumem, pelo contrário, novas dimensões: um olhar sobre a história atual demonstra-o claramente. Também em nosso tempo a Igreja continua sendo um ‘sinal de contradição’ (Lc 2, 34). (...) Não podia ser intenção do Concílio abolir esta contradição do Evangelho em face dos perigos e dos erros do homem” (Discurso à Cúria Romana por ocasião da apresentação dos votos natalícios, 22 de dezembro de 2005).

Ora, a terceira parte do Segredo de Fátima — qualquer que seja a variante de interpretação que se lhe dê — de forma alguma autorizava o voto de confiança que os Padres Conciliares quiseram dar ao mundo moderno. Pois, no Segredo, a humanidade atual aparece como alvo da ira de Deus, simbolizada pelo fogo que a espada do Anjo expedia em sua direção, com o fito de incendiar o mundo (o qual aliás aparece, na seqüência da visão, semidestruído e juncado de cadáveres).

A divulgação desse Segredo em 1960 teria ido, portanto, na contramão das esperanças manifestadas na Aula Conciliar. E, dada a grande expectativa que havia então em todo o mundo, em torno da revelação do Segredo, poderia ter influenciado uma ponderável parcela da opinião católica, tornando quiçá inviável que se desse guarida a essa esperança frustra.

Se as considerações acima são válidas, compreende-se que os Pontífices do tempo, bem cientes da expectativa otimista reinante desde o momento em que o Concílio foi convocado, julgassem inoportuna a revelação do Segredo e a remetessem para um futuro remoto. O que acabou acontecendo no ano 2000, quando João Paulo II julgou “amadurecidos os tempos” para divulgá-lo (cfr. alocução de 17 de maio de 2000).

Esta é a hipótese que, à vista dos fatos históricos e da realidade atual, se poderia levantar. Haverá outras explicações? — A História um dia o dirá.

O que, após 1960, tornaria o Segredo “mais claro”?

2pergunta — O que há no conteúdo do terceiro Segredo que se tornaria “mais claro” após 1960, conforme declarou a Irmã Lúcia, a propósito da data limite a partir da qual o texto poderia ser publicado?

— A chave que propomos para a interpretação da terceira parte do Segredo é a resposta, sim ou não, da humanidade ao apelo de penitência e de conversão que Nossa Senhora fez em Fátima. Ora, é notório que esta resposta, no geral da humanidade, tem sido até aqui negativa, e que o afastamento da sociedade humana das vias da virtude se acentuou muitíssimo na década de 60. Basta mencionar a revolução cultural que a partir de maio de 1968 na Sorbonne se expandiu velozmente pelo mundo (e aqui entram, mais uma vez, os erros da Rússia, que impregnavam inegavelmente esse movimento revolucionário); e, dentro da Igreja, a crise pós-conciliar, a qual traz em seu bojo uma crise da fé, sem a qual ela não existiria. Crise da fé que implica por sua própria natureza numa rejeição de Deus, do conteúdo da Revelação e do Magistério da Igreja, em grau maior ou menor conforme o caso, mas que atinge porções extensíssimas da Cristandade (cfr. Capítulo II deste trabalho, Comentários à segunda parte do Segredo).

Assim, tanto a ordem temporal como a ordem espiritual se encontram num estado de desconcerto, do qual não se sairá sem uma intervenção extraordinária da Providência, acompanhada de um regime especial de graças para a humanidade, como o terceiro Segredo indica.

Todo esse desconcerto, somente sanável com uma intervenção da Providência, começou a ficar mais patente, aos olhos do mundo, em meados da década de 60, confirmando a intuição profética da Irmã Lúcia.


A consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria

No dia 13 de junho de 1929, a Irmã Lúcia teve uma esplêndida visão da Santíssima Trindade e do Imaculado Coração de Maria, durante a qual Nossa Senhora lhe comunicou que “era chegado o momento em que queria [que ela] participasse à Santa Igreja o seu desejo da consagração da Rússia, e a sua promessa de a converter”. É a própria Irmã Lúcia quem escreve:

“Eu tinha pedido e obtido licença das minhas superioras e do confessor para fazer a Hora Santa das onze à meia-noite, de quintas para sextas-feiras. Estando uma noite só, ajoelhei-me entre a balaustrada, no meio da capela, a rezar prostrada as orações do Anjo. Sentindo-me cansada, ergui-me e continuei a rezá-las com os braços em cruz. A única luz era a da lâmpada. De repente iluminou-se toda a capela com uma luz sobrenatural, e sobre o altar apareceu uma Cruz de luz que chegava até o teto. Numa luz mais clara, via-se na parte superior da Cruz, uma face de homem com corpo até à cintura [o Padre Eterno], sobre o peito uma pomba de luz [o Divino Espírito Santo], e pregado na Cruz o corpo de outro homem [Nosso Senhor Jesus Cristo]. Um pouco abaixo da cintura, suspenso no ar, via-se um cálice e uma Hóstia grande, sobre a qual caíam algumas gotas de sangue que corriam pelas faces do Crucificado e de uma ferida do peito. Escorregando pela Hóstia, essas gotas caíam dentro do cálice. Sob o braço direito da Cruz estava Nossa Senhora (era Nossa Senhora de Fátima com o seu Imaculado Coração na mão esquerda, sem espada nem rosas, mas com uma coroa de espinhos e chamas)... Sob o braço esquerdo [da Cruz], umas letras grandes, como se fossem de água cristalina que corresse para cima do altar, formavam estas palavras: ‘Graça e Misericórdia’.

Compreendi que me era mostrado o Mistério da Santíssima Trindade, e recebi luzes sobre este Mistério que não me é permitido revelar.

Depois Nossa Senhora disse-me: “É chegado o momento em que Deus pede para o Santo Padre fazer, em união com todos os Bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio. São tantas as almas que a Justiça de Deus condena por pecados contra Mim cometidos, que venho pedir reparação: sacrifica-te por esta intenção e ora”
 (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, pp. 462 e 464) (17).

17. Apontamentos do Pe. José Bernardo Gonçalves SJ, copiados de um manuscrito da Irmã Lúcia que, segundo parece, não existe mais (cfr. edições brasileira e portuguesa das Memórias da Irmã Lúcia, p. 193).

Através de seus confessores e do Bispo de Leiria, a vidente fez com que o pedido de Nossa Senhora chegasse, ainda naquele ano, ao conhecimento do Papa Pio XI, o qual prometeu tomá-lo em consideração (cfr. De Marchi, p. 311; Walsh, p. 198).

Em carta de 29 de maio de 1930 ao seu confessor Pe. José Bernardo Gonçalves SJ, a Irmã Lúcia relata que Nosso Senhor, tendo-lhe feito sentir no fundo do coração a sua Divina Presença, instou-lhe a pedir ao Santo Padre a aprovação da devoção reparadora dos Primeiros Sábados. São palavras da vidente: “Se me não engano, o bom Deus promete terminar a perseguição na Rússia se o Santo Padre se dignar fazer, e mandar que o façam igualmente os Bispos do mundo católico, um solene e público ato de reparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesus e Maria, prometendo, Sua Santidade, mediante o fim desta perseguição, aprovar e recomendar a prática da já indicada devoção reparadora”(cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 404).

Mais tarde, por meio de outra comunicação íntima, Nosso Senhor queixou-Se à Irmã Lúcia de que a consagração da Rússia não tinha sido feita: “Não quiseram atender ao meu pedido. Como o Rei de França, arrepender-se-ão, e fá-la-ão, mas será tarde (18). A Rússia terá já espalhado os seus erros pelo mundo, provocando guerras, perseguições à Igreja: o Santo Padre terá muito que sofrer” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 464).

18. Alusão à promessa de Nosso Senhor a Luís XIV, por intermédio de Santa Margarida Maria Alacoque, de dar-lhe a vida da graça e a glória eterna, bem como a vitória sobre todos os inimigos, se o Rei se consagrasse ao Sagrado Coração e O fizesse reinar em seu palácio, pintar em seus estandartes e gravar em suas armas.

O pedido que o Senhor assim formulara ainda não fora atendido quando, em 1792, prisioneiro na Torre do Templo, Luís XVI fez o voto de consagrar solenemente ao Coração de Jesus sua própria pessoa, sua Família e seu Reino, se recobrasse a liberdade, a Coroa e o poder real. Já era tarde: o Rei só saiu da prisão para o patíbulo.

Em 21 de janeiro de 1935, em carta ao Pe. José Bernardo Gonçalves SJ, a Irmã Lúcia declara que “Nosso Senhor estava bastante descontente por não se realizar o seu pedido” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 412).

Em carta ao mesmo Pe. Gonçalves, de 18 de maio de 1936, a Irmã Lúcia esclarece:

“Quanto à outra pergunta: se será conveniente insistir para obter a consagração da Rússia, — respondo quase o mesmo que das outras vezes tenho dito. Sinto que não se tenha já feito; mas o mesmo Deus que a pediu, é que assim o permitiu [...] Se é conveniente insistir? Não sei. Parece-me que, se o Santo Padre agora o fizesse, Nosso Senhor a aceitava e cumpria a sua promessa; e, sem dúvida, seria um gosto que dava a Nosso Senhor e ao Imaculado Coração de Maria.

Intimamente, tenho falado a Nosso Senhor do assunto; e há pouco perguntava-Lhe por que não convertia a Rússia sem que Sua Santidade fizesse essa consagração: ‘Porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Coração Imaculado de Maria, para depois estender o seu culto e pôr, ao lado da devoção do meu Divino Coração, a devoção deste Imaculado Coração’. Mas, meu Deus, o Santo Padre não me há-de crer, se Vós mesmo o não moveis com uma inspiração especial. ‘O Santo Padre! Ora muito pelo Santo Padre. Ele há-de fazê-la, mas será tarde. No entanto, o Imaculado Coração de Maria há-de salvar a Rússia. Está-Lhe confiada’” 
(cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, pp. 412 e 414).

Como se vê, a Irmã Lúcia acompanha de perto o que se passa no mundo relativamente aos pedidos de Nosso Senhor e de Nossa Senhora. Mas nem sempre toma conhecimento dos fatos pelas vias de informação normais. Diz ela ao Pe. Gonçalves, em carta de 21 de janeiro de 1940: “Coisas desse gênero [alguns artigos de revista que queriam que ela visse], só costumo ler o que os Superiores determinadamente me mandam. [...] De resto, as minhas Superioras gostam que me conserve em ignorância do que se vai passando, e eu sou contente; não tenho curiosidade. Quando Nosso Senhor quer que saiba alguma coisa, encarrega-Se de mo fazer conhecer. Tem para isso tantos meios!” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 420).

Ainda para o Pe. Gonçalves, ela escreve a 24 de abril de 1940:

“Ele [Nosso Senhor], se quiser, pode fazer que a causa ande depressa. Mas, para castigo do mundo, deixará que vá devagar. A sua Justiça, provocada pelos nossos pecados, assim o exige. Desgosta-se, às vezes, não só pelos grandes pecados, mas também pela nossa frouxidão e negligência em atender aos seus pedidos.

[...] São muitos os crimes, mas, sobretudo, é muito maior agora a negligência das almas de quem Ele esperava ardor no seu serviço. É muito limitado o número daquelas com quem Ele Se encontra” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, pp. 420 e 427).

A Irmã Lúcia volta aos mesmos pensamentos em carta de 18 de agosto de 1940, sempre ao Pe. Gonçalves:< “Suponho que é do agrado de Nosso Senhor que haja quem se vá interessando, junto do seu Vigário na terra, pela realização dos seus desejos. Mas o Santo Padre não o fará já. Duvida da realidade, e tem razão. O nosso bom Deus podia, por meio de algum prodígio, mostrar claro que é Ele que o pede; mas aproveita-se deste tempo para, com a sua Justiça, punir o mundo de tantos crimes, e prepará-lo para uma volta mais completa para Si (19). A prova que nos concede é a proteção especial do Imaculado Coração de Maria, sobre Portugal, em vista da consagração que lhe fizeram (20).

19. Na segunda parte do Segredo, Nossa Senhora anunciou o triunfo de seu Imaculado Coração, a concretizar-se após o Castigo com que Deus punirá o mundo pelos seus crimes. Neste documento, a Irmã Lúcia alude a “uma volta mais completa” do mundo a Deus Nosso Senhor. O que confirma o que dissemos ao comentar a cena final do terceiro Segredo (cfr. Capítulo II), sobre o Grande Retorno da humanidade para Deus, como sendo a condição sine qua non para concretizar-se o Reino de Maria profetizado por São Luís Maria Grignion de Montfort em seu célebre Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem e em sua não menos famosa Oração abrasada. No Reino de Maria — segundo esse Santo — Nossa Senhora ocupará um papel centralíssimo em toda a vida das sociedades religiosa e temporal, exercendo um império especial sobre as almas; assim, verificar-se-á um esplêndido reflorescimento da Santa Igreja e da civilização cristã. A mensagem de Fátima é uma magnífica promessa de realização dessa visão profética ainda em nossos dias.

20. Em maio de 1936, o Episcopado Português reunido em Fátima fez o voto de voltar lá em assembléia plenária, se o seu país ficasse livre do perigo vermelho tão temerosamente próximo (a revolução comunista na Espanha poderia facilmente alastrar-se para o país vizinho). Conjurado inesperadamente esse perigo, os Bispos de Portugal voltam à Cova da Iria no dia 13 de maio de 1938 e cumprem a sua promessa, realizando uma solene cerimônia de ação de graças por aquilo que explicitamente reconheciam como miraculosa proteção da Santíssima Virgem à sua pátria. Na mesma ocasião renovaram a consagração da nação portuguesa ao Imaculado Coração de Maria, feita sete anos antes (cfr. Pe. Moreira das Neves, As grandes jornadas de Fátima, in Fátima, altar do mundo, vol. II, pp. 249-257).

Em atenção a essa consagração, Nosso Senhor prometeu uma proteção especial a Portugal durante a Segunda Guerra Mundial acrescentando que esta proteção seria a prova das graças que concederia às outras nações se, como Portugal, lhe tivessem sido consagradas (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, pp. 436 e 438).

Estas graças concedidas a Portugal nas décadas de 30 e 40 não significavam, entretanto, que o perigo vermelho e o castigo das guerras estivessem definitivamente afastados desse país, como aliás se depreende do que em seguida se lê na carta de 18 de agosto de 1940 ao Pe. Gonçalves, e em outras que se encontram no livro Memórias e Cartas da Irmã Lúcia (cfr. pp. 438, 440 e 442), bem como das visões de Jacinta que relatamos no Capítulo III deste trabalho.

Essa gente, de que me fala, tem razão de estar assustada. Tudo isso nos aconteceria, se os nossos Prelados não tivessem atendido aos pedidos do nosso bom Deus, e implorado tanto de coração a sua Misericórdia e a proteção do Imaculado Coração da nossa boa Mãe do Céu. Mas na nossa Pátria há ainda muitos crimes e pecados; e como agora é a hora da Justiça de Deus sobre o mundo, é preciso que se continue a orar. Por isso, eu achava bem que incutissem nas pessoas, a par duma grande confiança na Misericórdia do nosso bom Deus e na proteção do Imaculado Coração de Maria, a necessidade da oração, acompanhada do sacrifício, sobretudo daquele que é preciso fazer para evitar o pecado” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 426).

Em carta datada de 2 de dezembro de 1940, a Irmã Lúcia dirigiu-se diretamente ao Papa Pio XII, por ordem de seus diretores espirituais, pedindo que Sua Santidade se dignasse abençoar a devoção dos Primeiros Sábados e estendê-la por todo o mundo, acrescentando:

“Em 1929, Nossa Senhora, por meio de outra aparição, pediu a consagração da Rússia a seu Imaculado Coração, prometendo, por este meio, impedir a propagação de seus erros, e a sua conversão.

[...] Em várias comunicações íntimas Nosso Senhor não tem deixado de insistir neste pedido, prometendo ultimamente, se Vossa Santidade se digna fazer a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, com menção especial pela Rússia, e ordenar que, em união com Vossa Santidade e ao mesmo tempo, a façam também todos os Bispos do mundo, abreviar os dias de tribulação com que tem determinado punir as nações de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de várias perseguições à Santa Igreja e a Vossa Santidade” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 436; De Marchi, p. 312; Galamba de Oliveira, p. 153).

A resposta dos Papas ao pedido de consagração

No dia 31 de outubro de 1942, em Radiomensagem a Portugal por ocasião do encerramento do ano jubilar das aparições de Fátima, Pio XII consagrou a Igreja e o gênero humano ao Imaculado Coração de Maria.

Em 1943, a Irmã Lúcia teve outra revelação de Nosso Senhor, que ela assim relata em carta ao Pe. Gonçalves, no dia 4 de maio daquele ano: “Tive, por ordem de Sua Excia. Revma. [o Bispo titular de Gurza, D. Manuel Maria Ferreira da Silva], que manifestar, ao Sr. Arcebispo de Valladolid, um recado de Nosso Senhor para os Senhores Bispos cá de Espanha, e outro aos de Portugal. Deus queira que todos ouçam a voz do bom Deus. Deseja que os de Espanha se reúnam em retiro e determinem uma reforma no povo, clero e ordens religiosas; que alguns conventos!... e muitos membros de outros!... entende? Deseja que se faça compreender às almas que a verdadeira penitência que Ele agora quer e exige consiste, antes de tudo, no sacrifício que cada um tem de se impor para cumprir com os próprios deveres religiosos e materiais. Promete o fim da guerra para breve, em atenção ao ato que se dignou fazer Sua Santidade. Mas como ele foi incompleto, fica a conversão da Rússia para mais adiante. Se os Srs. Bispos da Espanha não atenderem aos seus desejos, ela será mais uma vez ainda o açoite com que Deus os pune” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 446).

Em 7 de julho de 1952, por meio da Carta Apostólica Sacro Vergente Anno, Pio XII consagrou os povos da Rússia ao Puríssimo Coração de Maria (ver o texto em Catolicismo, nº 21, de setembro de 1952).

Por ocasião do II Concílio Ecumênico do Vaticano, 510 Arcebispos e Bispos de 78 países subscreveram uma petição na qual rogam ao Vigário de Cristo que consagre ao Imaculado Coração o mundo todo e de modo especial e explícito a Rússia e as demais nações dominadas pelo comunismo, ordenando que, em união com ele e no mesmo dia, o façam todos os Bispos do orbe católico. O documento foi apresentado pessoalmente ao Santo Padre Paulo VI, pelo Arcebispo de Diamantina, D. Geraldo de Proença Sigaud, em audiência particular de 3 de fevereiro de 1964 (ver a íntegra do documento no nº 159 de Catolicismo, de março de 1964).

O Papa Paulo VI, ao encerrar a III Sessão do Concílio Vaticano II, no dia 21 de novembro de 1964, “confiou o gênero humano” ao Imaculado Coração de Maria, no mesmo ato em que, aplaudido de pé pelos Padres Conciliares, proclamou Nossa Senhora Mater Ecclesiae (cfr. Insegnamenti di Paolo VI, vol. II, 1964, p. 678).

João Paulo II fez duas consagrações do mundo ao Imaculado Coração de Maria, uma em Fátima, no dia 13 de maio de 1982, e outra em Roma, em 25 de março de 1984. Ambas as consagrações foram precedidas de um convite do Pontífice aos Bispos para se unirem a ele nesses atos. Não há, porém, dados positivos para avaliar até que ponto os Bispos do mundo inteiro realizaram a Consagração em união com o Papa, nem em 1982, nem em 1984. Em nenhuma das duas, também, a Rússia foi mencionada nominalmente.< Assim, a Irmã Lúcia sempre sustentou, até meados de 1989, que nenhuma das consagrações mencionadas tinha sido “válida” (tomada esta palavra no sentido de atendimento dos requisitos manifestados por Nossa Senhora à vidente). Para citar apenas um documento de maior peso, em entrevista que a vidente concedeu à revista do Exército Azul da Espanha, Sol de Fátima, em 1985, ela afirma:

“[Pergunta] — João Paulo II convidou todos os Bispos a se associarem à consagração da Rússia que ele efetuaria em Fátima no dia 13 de maio de 1982 e que repetiu no final do Ano Santo, em 25 de março de 1984 em Roma, diante da Imagem autêntica de Fátima. Não foi feito o que [Nossa Senhora] pediu em Tuy?

“[Resposta] — Não houve a participação de todos os Bispos nem foi mencionada a Rússia.

“[Pergunta] — De modo que não se fez a consagração conforme pediu a Santíssima Virgem?

“[Resposta] — Não. Muitos Bispos não deram importância a este ato” (Sol de Fátima, Madrid, nº 103, setembro-outubro de 1985, p. 8).

A partir de meados de 1989, entretanto, a Irmã Lúcia passou a reconhecer a validade da Consagração feita pelo Papa João Paulo II em 25 de março de 1984. Assim, por exemplo, na Apresentação do opúsculo A Mensagem de Fátima, Mons. Bertone cita uma carta da vidente de 8 de novembro de 1989, na qual ela afirma categoricamente: “Sim, [a consagração] está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o dia 25 de março de 1984” (op. cit, p. 8). E no colóquio com a vidente em 17 de novembro de 2001, no Carmelo de Coimbra, a uma interpelação do mesmo Mons. Bertone, ela responde: “Já disse que a consagração desejada por Nossa Senhora foi feita em 1984, e foi aceita no Céu” (Boletim da Sala Stampa do Vaticano de 20-12-2001). Seria bem o momento de perguntar se a expressão “foi aceita no Céu” correspondia a uma dedução pessoal da vidente, ou a alguma iluminação sobrenatural. Esse ponto, entretanto, ficou sem esclarecimento

Uma tão brusca mudança de posição da Irmã Lúcia deixou perplexos os peritos, aderindo uns à nova posição, preferindo outros ater-se aos seus pronunciamentos anteriores.

O assunto é por demais complexo e extenso para o elucidarmos aqui. Bastaria de momento observar que, ao pronunciar-se sobre o eventual relacionamento dessa Consagração com os espetaculares acontecimentos ocorridos no Leste europeu, com o aparente desmoronamento do comunismo, principalmente no segundo semestre de 1989 — relacionamento esse que parece estar na raiz da mudança de posição da vidente — sempre se entendeu que a Irmã Lúcia estava emitindo uma opinião particular, e não transmitindo uma revelação sobrenatural.

Não obstante, interpelado por um jornalista, em 2004, se a “Irmã Lúcia viu Nossa Senhora outras vezes, depois das famosas aparições de 1917”, o Cardeal Bertone, já arcebispo de Gênova, respondeu afirmativamente, dando como exemplo “uma aparição na qual Nossa Senhora lhe manifestou ter acolhido de bom grado a consagração feita [em 1984] por João Paulo II, do mundo e da Rússia, ao seu Coração Imaculado” (cfr. Giuseppe de Carli, Eminenza, mi permette?, Piemme, 2004, p. 128).

Nos relatos dos colóquios que Mons. Bertone teve com a Irmã Lúcia, em 27 de abril de 2000, e depois em 17 de novembro de 2001, não consta nenhuma referência à mencionada aparição, apesar de esses relatos terem sido circunstanciados e cuidadosos (cfr. A Mensagem de Fátima, pp. 27-28; Boletim da Sala Stampa da Santa Sé de 20 de dezembro de 2001). Ora, seria normal que uma informação tão fundamental para a completa elucidação do assunto — como uma aparição de Nossa Senhora à Irmã Lúcia — constasse, com todos os pormenores (data, lugar e circunstâncias em que se deu etc.), nos referidos relatos. Considerado o empenho que a Santa Sé põe em que cessem as petições procedentes de diversas partes do mundo visando uma formal consagração da Rússia, seria de toda conveniência que esse dado decisivo fosse previamente esclarecido junto a Sua Eminência, que atualmente ocupa um dos postos mais elevados na hierarquia da Igreja, como é o cargo de Secretário de Estado. Fazemos votos de que isso seja reverentemente feito, por quem de direito, no momento adequado.



As exéquias da Irmã Lúcia comoveram o mundo


No dia 13 de fevereiro de 2005, Nossa Senhora chamou a Si a Irmã Lúcia, aos 97 anos de idade (completaria 98 no dia 22 de março seguinte). A notícia comoveu o mundo e fez afluir uma multidão incalculável ao Carmelo de Coimbra, o que representava uma espera de mais de três horas para desfilar diante dos despojos mortais da vidente.

O fato era cheio de significado: a última testemunha das aparições encerrava sua missão neste mundo. Um fiel exprimiu o sentimento geral com as seguintes palavras: “Agora eu me sinto só. É como se uma proteção que eu tinha tivesse desaparecido. Eu sinto necessidade de rezar pelo mundo (apud Luis Dufaur, A morte da Irmã Lúcia e as profecias de Fátima, in Catolicismo, São Paulo, nº 651, março de 2005, p. 22).

O acontecimento pôs em foco, mais uma vez, a Mensagem de Fátima, cuja atualidade está longe de se extinguir, posto que os prognósticos nela contidos sobre o futuro da humanidade ainda estão em grande parte por se realizar, conforme mostramos detidamente ao longo deste trabalho.

As exéquias se realizaram no próprio Carmelo de Coimbra, onde foi provisoriamente inumada.

No ano seguinte, no dia 19 de fevereiro de 2006, cem mil peregrinos de todas as partes de Portugal e de pelo menos doze países acompanharam comovidos a cerimônia de trasladação dos restos mortais da vidente para a Basílica de Fátima. Ali, de há muito lhe estava preparado um lugar, no lado esquerdo do transepto, alinhado com a sepultura da Beata Jacinta. Simetricamente, do outro lado do transepto, repousam os restos mortais do Beato Francisco.

Como a dos dois outros videntes, a lápide da Irmã Lúcia diz, singelamente: “Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado / A quem Nossa Senhora apareceu”.



[Apêndice I]

Apêndice I


Consulta sobre a terceira parte do Segredo apresentada à Congregação para a Doutrina da Fé




I — Carta do autor a Mons. Tarcisio Bertone

Em 25 de setembro de 2001, o autor dirigiu ao Exmo. Revmo. Mons. Tarcisio Bertone SDB, DD. Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, a seguinte carta:

É conhecida em todo o orbe católico a destacada participação de V. Exa. nos episódios que culminaram na histórica sessão de 26 de junho do ano passado, em que a Congregação para a Doutrina da Fé, por determinação de S. S. João Paulo II, comunicou ao mundo a terceira parte do Segredo de Fátima, até então não revelada.

V. Exa. não só teve participação relevante nessa sessão, como foi incumbido pessoalmente pelo Santo Padre de esclarecer pessoalmente com a Irmã Lucia certos pontos relativos à Mensagem de Fátima indispensáveis para que a tão esperada revelação se fizesse com toda a objetividade necessária. Os católicos de todo o mundo são gratos a V. Exa. pela seriedade e competência com que V. Exa. se desincumbiu dessa delicada missão.

Assim pareceu-me justo e proficiente que eu encaminhasse a V. Exa. a consulta anexa, como a pessoa certa para obter e fornecer os esclarecimentos aí pedidos.

É certamente de conhecimento de V. Exa. que algumas pessoas, baseando-se em um ou outro ponto não esclarecido da Mensagem de Fátima, levantam certas perguntas, algumas pertinentes, outras não, e com isso o efeito salutar que a revelação do Segredo deveria causar acaba sendo prejudicado. Daí a minha esperança de que, esclarecidos esses pontos — alguns deles de natureza quase acadêmica — o burburinho em torno do assunto pudesse cessar. Ou, pelo menos, daria condições para que os estudiosos de Fátima mostrassem ao grande público quanto essas especulações têm de improcedente.

Deposito, pois, com filial respeito e confiança, nas mãos de V. Exa. a consulta anexa, cujos considerandos me parece que são suficientemente explicativos do alcance das perguntas feitas.

Desde já grato pela atenção que V. Exa. der à presente, subscrevo-me devotadamente


In Jesu et Maria

Antonio Augusto Borelli Machado



II — Consulta sobre a terceira parte do Segredo


A inesperada e auspiciosa revelação da terceira parte do Segredo de Fátima no dia 26 de junho de 2000, determinada pelo Santo Padre — que incumbiu a Congregação para a Doutrina da Fé de tomar as providências necessárias — causou explicável exultação em ambientes católicos do mundo inteiro. Era natural que os fatimólogos, e até os simples devotos de Fátima, se debruçassem sobre o texto divulgado e lhe procurassem perscrutar o significado, para um mais profundo entendimento da Mensagem de Nossa Senhora e conseqüentemente um mais fiel e pressuroso cumprimento de suas prescrições e orientações.

A literatura sobre Fátima, já vastíssima até então, foi se enriquecendo assim de novas análises e comentários versando sobre a terceira parte do Segredo (ou simplesmente “terceiro Segredo”, como se acostumou a dizer), a começar obviamente pela interpretação que dela ofereceu a Congregação para a Doutrina da Fé. Esta mesma interpretação, por sua vez, tem sido objeto de análises minuciosas, embora, ao que parece, os comentaristas nem sempre distingam bem a interpretação em si, feita pela Congregação vaticana, do objeto da referida interpretação, que deve ser e permanecer o fim primário da investigação, isto é, o texto da Irma Lúcia que descreve a visão profética em que consiste essencialmente o “terceiro Segredo”.

A terceira parte do Segredo constitui, pois, a pedra de fecho da Mensagem de Fátima, que assim se apresenta como um todo coerente e completo em suas linhas essenciais, oferecido à humanidade de nossos dias como solução cabal para os problemas que nos afligem.

É mais do que legítimo, portanto, que os estudiosos da Mensagem de Fátima se esforcem por discernir e explicar essa coerência e inteireza.

A testemunha por excelência das aparições é a vidente supérstite, isto é, a Irmã Lúcia, à qual todos os devotos e estudiosos de Fátima se referem com a máxima veneração e reverência, como privilegiada confidente da Virgem. Nela, sempre chamou a atenção a fidelíssima memória, sem dúvida enriquecida e protegida com os dons do Espírito Santo, a fim de que ela se tornasse a confiável guardiã da Mensagem.

Ora, debruçando-se com essa máxima veneração e reverência sobre os textos da Irmã Lúcia, os estudiosos se deram conta de que, com a revelação do terceiro Segredo, alguns pontos não ficaram inteiramente claros, necessitando um esclarecimento. É o objeto da presente consulta, que respeitosamente submetemos à Congregação para a Doutrina da Fé, para que ela dê o encaminhamento que julgar conveniente.



Onde se encaixa a terceira parte do Segredo?

1. Ao terminar a narração do segundo Segredo, a Irmã Lúcia põe nos lábios de Nossa Senhora as seguintes palavras: “Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo”. — Esta frase foi dita por Nossa Senhora antes ou depois da visão que constitui o terceiro Segredo?


Qual o significado da omissão, na III Memória, da frase conclusiva do segundo Segredo?

2. A frase conclusiva do segundo Segredo — “Em Portugal se conservará sempre o Dogma da Fé” — aparece na IV Memória da Irmã Lúcia, porém não na III Memória.

É sabido que os videntes são freqüentemente favorecidos com um regime especial de graças e inspirações do Espírito Santo, seja para o bem da Igreja, seja para o próprio bem espiritual. Assim, por exemplo, Nossa Senhora permitiu que Santa Bernadette, já no convento de Nevers, em determinado momento perdesse toda lembrança das aparições, a ponto de duvidar se as teria tido realmente, e portanto se não enganara o mundo todo com suas declarações! Felizmente foi uma provação passageira, mas que os historiadores de Lourdes registram. Com Santa Catarina Labouré ocorreu também um fenômeno curioso: seu confessor, ao tomar providências para a cunhagem da medalha que viria a chamar-se “milagrosa”, quis saber exatamente o que colocar no verso. E pediu à vidente que fizesse uma nova descrição completa da medalha. A vidente mandou lhe dizer que no momento só se lembrava do que constava no verso... O fato impressionou muito o confessor, que duvidava da realidade das aparições.

Isto posto, podem colocar-se duas questões:

(a) Com a Irmã Lúcia não se teria passado um fenômeno espiritual semelhante, ao omitir na III Memória a frase que depois incluiu na IV Memória(b) Que significado atribuir a essa omissão?

O que a Irmã Lúcia quis precisamente significar com o “etc. ...” que colocou na IV Memória?

3. É bem conhecido que a frase acrescentada na IV Memória terminava com um “etc. ...”, que poderia talvez significar duas coisas: (a) que nesse ponto da narrativa se inseria o terceiro Segredo; ou (b) que a frase continuava com uma explanação que se relacionava com o terceiro Segredo. Nas duas hipóteses, a Irmã Lúcia estava vinculada ao segredo que deveria manter sobre a terceira parte, que não estava então autorizada a divulgar. Qual das duas hipóteses explica o “etc. ...” colocado pela Irmã Lúcia? Ou haveria uma terceira hipótese que não nos ocorre?



Observações sobre o resultado da Consulta

1. Não tendo sido possível obter um esclarecimento cabal da Consulta acima em vida da Irmã Lúcia, conforme relatamos no local oportuno (cfr. Capítulo IIComentários à segunda parte do Segredo), a historiografia de Fátima se ressentirá para sempre desta impreenchível lacuna. Resta aos estudiosos trabalhar com os documentos divulgados, a fim de apresentar a mensagem de Fátima da forma mais fidedigna possível.

2. O leitor terá notado que, na Consulta, fizemos seguir ao “etc.” o sinal gráfico de reticências [...], as quais entretanto não aparecem no fac-símile dos manuscritos da Irmã Lúcia (cfr. IV Memória, p. 340).

De onde surgiram, então, tais reticências? O Pe. Joaquín María Alonso CMF foi que as colocou no seu valioso estudo La verdad sobre el secreto de Fátima (p. 25). E no artigo De nuevo el secreto de Fátima (publicado na revista espanhola Ephemerides Mariologicae, Madrid, vol. XXXII, 1982, fasc. 1, p. 85) adverte explicitamente: “Atenção: o ‘etc. e as reticências’ são do próprio manuscrito”. O mesmo ele repete no livro Doctrina y espiritualidad del mensaje de Fátima (Arias Montano Editores, Madrid, 1990, p. 274).

Tratando-se de autoridade incontestável na matéria, pois fôra nomeado em 1966, pelo então Bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio, para “empreender a tão esperada história crítica de Fátima” (cfr. Documentação crítica de Fátima, vol. I, p. VII), trabalho a que se consagrou até sua morte em 1981, era de supor que ele tivesse em mãos o original dos manuscritos da Irmã Lúcia onde as referidas reticências estivessem visíveis. Sem o que não se compreende que ele fizesse uma afirmação tão categórica. Curiosamente, aliás, há um vazio no manuscrito, onde elas caberiam perfeitamente (precisamente entre as palavras “dogma da Fé etc.” e “Isto não o digais a ninguém”).

O fato é que, como foi dito, elas não aparecem nas reproduções impressas até aqui oferecidas ao público. Que teria acontecido? Ter-se-ia esvaecido a tinta do manuscrito, a ponto de elas se terem tornado invisíveis? É um fenômeno que acontece com freqüência em documentos antigos, seja devido à natureza da tinta, do papel, ou às condições de conservação do documento. Como a Congregação para a Doutrina da Fé não desceu a nenhum aspecto técnico sobre o estado de conservação dos manuscritos da Irmã Lúcia, esse importante detalhe fica, por enquanto, sem esclarecimento.

Ora, a existência dessas reticências não é irrelevante, pois reforçaria muito a idéia, introduzida pelo “etc.”, de que a frase “Em Portugal ...” fosse seguida de uma explanação, tanto mais quanto, sem essa seqüência, ela parece ficar suspensa no ar (cfr. Capítulo IIComentários à segunda parte do Segredo).

Ao incluir as reticências na Consulta acima, tínhamos a esperança de que sua existência fosse deslindada, pois, ao ser interrogada sobre a frase em questão, a Irmã Lúcia talvez pudesse explicar porque as teria colocado. Não lhe tendo sido feita a pergunta, fica-se diante de mais uma dúvida — a existência ou não das reticências — que somente um estudo técnico do manuscrito poderia eventualmente dissipar.

3. Após o falecimento da Irmã Lúcia, o Carmelo de Coimbra editou o opúsculo Como vejo a Mensagem através dos tempos e dos acontecimentos, de autoria da Irmã Lúcia (edição conjunta do Carmelo de Coimbra e do Secretariado dos Pastorinhos, Coimbra, 2006, 63 pp.). Trata-se de comentários à Mensagem de Fátima que ela foi redigindo, a partir de 1983, por sugestão do Provincial Carmelita, Pe. Jeremias Carlos Vechina, na medida que o tempo lhe permitia, e que a vidente deixou inconclusos. Infelizmente não se sabe durante quanto tempo a vidente se consagrou a esse trabalho, e em que ano redigiu seus últimos comentários, os quais chegam apenas até a quarta aparição do ciclo de 1917.

No que diz respeito à presente Consulta, é digno de menção que, nesse opúsculo, a Irmã Lúcia confirma a frase final da segunda parte do Segredo — “Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé” — porém suprime o “etc.” que ela colocara na IV Memória (p. 340).

Esta confirmação e subseqüente supressão do “etc.” são significativas a dois títulos:

a) Tendo observado que a frase em questão existia na IV Memória e não na terceira, a Congregação para a Doutrina da Fé optou por reproduzir o fac-símile da III Memória, relegando para uma nota de pé de página a frase “Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé etc.”, com a observação de que fôra acrescentada na IV Memória (cfr. A Mensagem de Fátima, pp. 13-14, 16).

Relegada para uma nota, a frase podia parecer de menor importância

O fato de a Irmã Lúcia retomá-la no opúsculo Como vejo a Mensagem restabelece a sua importância como fecho da segunda parte do Segredo e justifica todos os comentários que os fatimólogos deduziram de seu rico conteúdo (cfr. Capítulo II deste trabalho, Comentários à segunda parte do Segredo).

b) Quanto à supressão do “etc.”, seu significado pode variar conforme tenha sido anterior ou posterior à divulgação da terceira parte do Segredo. Se anterior, a Irmã Lúcia estaria apenas continuando sua indefectível reserva a tudo que eventualmente se relacionasse com o terceiro Segredo. Se posterior, poderia indicar que à frase “Em Portugal ...” não se segue nenhuma explanação que lhe explicitasse o sentido e/ou constituísse uma conexão com a terceira parte.

Tal conclusão iria no sentido da categórica resposta que ela deu à indagação de Mons. Bertone, no importante colóquio de 17 de novembro de 2001: “A quem manifesta a dúvida de que tenha sido ocultada alguma coisa do ‘terceiro segredo’, [a Irmã Lúcia] responde: ‘Tudo foi publicado; não há mais segredo’” (Boletim da Sala Stampa, 20-12-2001).

Note-se bem que a Irmã Lúcia foi questionada a respeito do terceiro Segredo. Se bem que houve de fato quem levantasse a dúvida de estar ele incompleto, uma análise contextual só permitiria fazer uma conjectura do gênero em relação à frase final do segundo Segredo, conforme apontamos no tópico 3 de nossa Consulta, acima reproduzida. De qualquer modo, pode-se entender que a resposta da Irmã Lúcia — “Tudo foi publicado; não há mais segredo” — é abrangente, incluindo também o segundo Segredo. Neste caso, pareceria definitivamente afastada a hipótese de o Segredo estar incompleto em qualquer uma de suas partes.

Qualquer que seja a conclusão que se possa tirar destas considerações, a omissão da frase “Em Portugal ...” na III Memória, e a sua inclusão na IV Memória permanecerão para sempre um mistério inexplicável.< Tal o status quaestionis em que o falecimento da Irmã Lúcia deixa o assunto Fátima.

Quem se compenetrou da alta transcendência das matérias já reveladas e publicadas pôde perceber que há nelas preciosas diretrizes para orientar a atuação dos fiéis católicos num mundo secularizado e posto acintosamente de pé contra os preceitos do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Santa Igreja. Nos embates, por vezes dilacerantes, em que essa atuação implica, nunca devemos desanimar: o Coração Imaculado de Maria será o nosso refúgio e o caminho que nos conduzirá até Deus (cfr. Segunda aparição).






Apêndice II

Fátima: explicação e remédio da crise contemporânea

Plinio Corrêa de Oliveira

Publicado em Catolicismo, nº 29, maio de 1953, o presente artigo constitui uma autêntica glosa do terceiro Segredo, feita com mais de quatro décadas de antecedência. A esse título, são reproduzidos a seguir seus principais tópicos:

A sociedade humana apresentava na primeira parte deste século, isto é, até 1914, aspecto brilhante. O progresso era indiscutível em todos os terrenos. A vida econômica tinha alcançado uma prosperidade sem precedentes. A vida social era fácil e atraente. A humanidade parecia caminhar para a era de ouro.

Alguns sintomas graves, entretanto, destoavam das cores risonhas deste quadro. Havia misérias materiais e morais. Mas poucos eram os que mediam em toda a sua extensão a importância destes fatos. A grande maioria esperava que a ciência e o progresso resolvessem todos os problemas.

A primeira guerra mundial veio opor um desmentido terrível a estas perspectivas. Em todos os sentidos, as dificuldades se agravaram incessantemente até que, em 1939, sobreveio a segunda guerra mundial. E assim chegamos à condição presente, em que se pode dizer que não há sobre a terra uma só nação que não esteja a braços, em quase todos os campos, com crises gravíssimas.

Em outras palavras, se analisamos a vida interna de cada nação, notamos nela um estado de agitação, de desordem, de desbragamento de apetites e ambições, de subversão de valores, que se já não é a anarquia franca, em todo caso caminha para lá. Nenhum estadista de nossos dias soube ainda apresentar remédio que corte o passo a este processo mórbido de envergadura universal.

O elemento essencial das mensagens de Nossa Senhora e do Anjo de Portugal em Fátima, no ano de 1917, consiste exatamente em abrir os olhos dos homens para a gravidade dessa situação, em lhes ensinar sua explicação à luz dos planos da Providência Divina, e em indicar os meios necessários para evitar a catástrofe. É a própria História de nossa época e, mais do que isto, o seu futuro, que nos é ensinado pela Mãe de Deus.

O Império Romano do Ocidente se encerrou com um cataclismo iluminado e analisado pelo gênio de um grande Doutor, que foi Santo Agostinho. O ocaso da Idade Média foi previsto por um grande profeta, São Vicente Ferrer. A Revolução Francesa, que marca o fim dos Tempos Modernos, foi prevista por outro grande profeta, e ao mesmo tempo grande Doutor, São Luís Maria Grignion de Montfort. Os Tempos Contemporâneos, que parecem na iminência de se encerrar com nova crise, têm um privilégio maior. Veio Nossa Senhora falar aos homens.

Santo Agostinho não pôde senão explicar para a posteridade as causas da tragédia que presenciava. São Vicente Ferrer e São Luís Grignion de Montfort procuraram em vão desviar a tormenta: os homens não os quiseram ouvir. Nossa Senhora a um tempo explica os motivos da crise, e indica o seu remédio, profetizando a catástrofe caso os homens não a ouçam.

De todo ponto de vista, pela natureza do conteúdo como pela dignidade de quem as fez, as revelações de Fátima sobrepujam pois tudo quanto a Providência tem dito aos homens na iminência das grandes borrascas da História.

Os diversos pontos das revelações relativos a este tema constituem propriamente o elemento essencial das mensagens. O mais, por importante que seja, constitui mero complemento.





Apêndice III

Primeiro marco do ressurgimento contra-revolucionário

Plinio Corrêa de Oliveira

O presente artigo, escrito a propósito do centenário das aparições de Nossa Senhora em Lourdes, foi publicado em Catolicismo (nº 86, fevereiro de 1958). Nele, o insigne pensador e líder católico brasileiro de projeção mundial Plinio Corrêa de Oliveira analisa a missão de Maria Santíssima na restauração da civilização cristã e na derrota da Revolução (entendida tal palavra como a define o mesmo preclaro autor em sua obra-prima Revolução e Contra-Revolução, isto é, como o processo multissecular de afastamento do mundo ocidental dos princípios do Evangelho). 

Seus comentários sobre o estado de mal-estar em que, devido ao pecado, se encontra a humanidade, e os profundos anseios que esta tem por algo de diferente, relacionam-se intimamente com a terceira parte do Segredo de Fátima, publicada quatro décadas depois.

Após se referir à proclamação dos dogmas da Imaculada Conceição e da infalibilidade papal, e às medidas de São Pio X sobre a comunhão freqüente, escreve o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (os subtítulos são nossos):


O inimigo, mais forte do que nunca

Mas, poder-se-ia perguntar, o que resultou daí, para a luta da Igreja com seus adversários externos? Não se diria que o inimigo está mais forte do que nunca, e que nos aproximamos daquela era, sonhada pelos iluministas há tantos séculos, de naturalismo científico cru e integral, dominado pela técnica materialista; da república universal ferozmente igualitária, de inspiração mais ou menos filantrópica e humanitária, de cujo ambiente sejam varridos todos os resquícios de uma religião sobrenatural? Não está aí o comunismo, não está aí o perigoso deslizar da própria sociedade ocidental, pretensamente anticomunista, mas que no fundo também caminha para a realização deste «ideal»?

O mundo inteiro geme nas trevas e na dor

Sim. E a proximidade deste perigo é até maior do que geralmente se pensa. Mas ninguém atenta para um fato de importância primordial. É que enquanto o mundo vai sendo modelado para a realização deste sinistro desígnio, um profundo, um imenso, um indescritível mal-estar se vai apoderando dele. É um mal-estar muitas vezes inconsciente, que se apresenta vago e indefinido até mesmo quando é consciente, mas que ninguém ousaria contestar. Dir-se-ia que a humanidade inteira sofre violência, que está sendo posta em uma fôrma que não convém à sua natureza, e que todas as suas fibras sadias se contorcem e resistem. Há um anseio imenso por outra coisa, que ainda não se sabe qual é. Mas, enfim, fato talvez novo desde que começou, no século XV, o declínio da civilização cristã, o mundo inteiro geme nas trevas e na dor, precisamente como o filho pródigo quando chegou ao último da vergonha e da miséria, longe do lar paterno. No próprio momento em que a iniqüidade parece triunfar, há algo de frustrado em sua aparente vitória.

A experiência nos mostra que é de descontentamentos assim que nascem as grandes surpresas da História. À medida que a contorção se acentuar, acentuar-se-á o mal-estar. Quem poderá dizer que magníficos sobressaltos daí podem provir?

No extremo do pecado e da dor, está muitas vezes, para o pecador, a hora da misericórdia divina...

Ora, este sadio e promissor mal-estar é, a meu ver, um fruto da ressurreição da fibra católica com os grandes acontecimentos que acima enumerei, ressurreição esta que repercutiu favoravelmente sobre o que havia de restos de vida e de sanidade em todas as áreas de cultura do mundo.


A grande conversão

Foi por certo um grande momento, na vida do filho pródigo, aquele em que seu espírito embotado pelo vício adquiriu nova lucidez, e sua vontade novo vigor, na meditação da situação miserável em que caíra, e da torpeza de todos os erros que o haviam conduzido para fora da casa paterna. Tocado pela graça, encontrou-se, com mais clareza do que nunca, diante da grande alternativa. Ou arrepender-se e voltar, ou perseverar no erro e aceitar até o mais trágico final as suas conseqüências. Tudo quanto uma educação reta nele implantara de bom, como que renascia maravilhosamente nesse instante providencial. Enquanto, de outro lado, a tirania dos maus hábitos nele se afirmava quiçá mais terrível do que nunca. Deu-se o embate interno. Ele escolheu o bem. E o resto da história, pelo Evangelho o conhecemos.

Não nos estaremos aproximando desse momento?

O ensinamento de Lourdes

O futuro, só Deus o conhece. A nós, homens, é lícito entretanto conjeturá-lo segundo as regras da verossimilhança.

Estamos vivendo uma terrível hora de castigos. Mas esta hora também pode ser uma admirável hora de misericórdia. A condição para isto é que olhemos para Maria, a Estrela do Mar, que nos guia em meio às tempestades.

Durante cem anos, movida de compaixão para com a humanidade pecadora, Nossa Senhora tem alcançado para nós os mais estupendos milagres. Esta piedade se terá extinguido? Têm fim as misericórdias de uma Mãe, e da melhor das mães? Quem ousaria afirmá-lo? Se alguém duvidasse, Lourdes lhe serviria de admirável lição de confiança. Nossa Senhora há de nos socorrer.

Lourdes e Fátima

Há de nos socorrer. Expressão em parte verdadeira, e em parte falsa. Pois na realidade Ela já começou a nos socorrer. A definição dos dogmas da Imaculada Conceição e da infalibilidade papal, a renovação da piedade eucarística, têm seu prosseguimento nos fastos mariais dos pontificados subseqüentes a São Pio X. Nossa Senhora apareceu em Fátima sob Bento XV. Precisamente no dia em que Pio XII era sagrado Bispo, 13 de maio de 1917, deu-se a primeira aparição. Sob Pio XI, a mensagem de Fátima se foi espraiando suave e seguramente por toda a terra. Nessa mesma ocasião, o 75º aniversário das aparições de Lourdes foi festejado pelo Sumo Pontífice com invulgar júbilo, tendo ele delegado o então Cardeal Pacelli para o representar nas festividades. O pontificado de Pio XII se imortalizou pela definição do dogma da Assunção e pela Coroação de Nossa Senhora como Rainha do Mundo. Nesse pontificado, o Emmo. Cardeal Masella, tão caro aos brasileiros, coroou em nome do Papa Pio XII a Imagem da Santíssima Virgem em Fátima.

São outras tantas luzes que, da gruta de Massabielle à Cova da Iria, constituem um fio brilhante.

O Reinado do Imaculado Coração de Maria

E este artigo se detém em Fátima. Nossa Senhora delineou perfeitamente, em suas aparições, a alternativa. Ou nos convertemos, ou um tremendo castigo virá. Mas, no fim, o Reinado do Imaculado Coração se estabelecerá no mundo.

Em outros termos, de qualquer maneira, com mais ou com menos sofrimentos para os homens, o Coração de Maria triunfará.

O que quer dizer, afinal, que de acordo com a Mensagem de Fátima, os dias do domínio da impiedade estão contados.



Plinio Corrêa de Oliveira

Nasceu em São Paulo, em 1908. Diplomado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, destacou-se desde a juventude como orador, conferencista e jornalista católico. Um dos fundadores da Liga Eleitoral Católica, foi o deputado mais votado do País para a Assembléia Constituinte federal de 1934.

Como professor, exerceu as cátedras de História da Civilização no Colégio Universitário de São Paulo, e de História Moderna e Contemporânea nas Faculdades de São Bento e Sedes Sapientiae da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo e diretor do semanário católico Legionário. Distinguiu-se, desde o início, em 1951, como o principal colaborador do mensário de cultura Catolicismo. Entre 1968 e 1990 escreveu assiduamente para a Folha de S. Paulo.

Em 1960, fundou a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade — TFP, da qual foi o Presidente do Conselho Nacional. Inspiradas em Revolução e Contra-Revolução e em outras obras suas, TFPs e associações congêneres se desenvolveram igualmente em 27 países dos cinco continentes.

Devotíssimo de Nossa Senhora, foi sem dúvida um dos maiores difusores da Mensagem de Fátima no Brasil e, por sua influência, no mundo inteiro.

Seu falecimento em 3 de outubro de 1995 representou uma perda irreparável para a Santa Igreja e para a civilização cristã, às quais amou entranhadamente e serviu, com fidelidade exímia, até o último hausto de sua vida.






O autor

Antonio Augusto Borelli Machado é membro da Academia Marial com sede no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Foi professor de Filosofia Moral na Faculdade de Ciências Econômicas do Liceu Coração de Jesus em São Paulo. Graduado em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, exerceu a profissão durante catorze anos. Depois passou a dedicar inteiramente o seu tempo à defesa dos princípios básicos da civilização cristã — a tradição, a família e a propriedade — sob o comando do grande líder católico brasileiro de projeção mundial, Plinio Corrêa de Oliveira, falecido em 1995.

É autor de uma das obras mais difundidas em todo o mundo sobre as aparições de Fátima, com 243 edições em 30 países e em 20 línguas, alcançando a tiragem global de 4,8 milhões de exemplares.

É igualmente autor de um livro sobre as origens, o significado e a eficácia do Rosário, contendo ademais um método para rezá-lo com fruto, bem como uma sinopse de textos dos quatro Evangelhos apropriados para a meditação dos mistérios.



[Obras citadas — Atenção: não pôr “Bibliografia”; são apenas as obras citadas no trabalho]

Obras citadas


Memórias e Cartas da Irmã Lúcia — Introdução e notas pelo Pe. Dr. Antonio Maria Martins SJ, Composição e impressão de Simão Guimarães, Filhos, Ltda.; Depositária: L. E., Porto, 1973. — Edição em fac-símile dos manuscritos da Irmã Lúcia, nas páginas pares; nas páginas ímpares, em três colunas, o texto em português composto em caracteres tipográficos, e as correspondentes traduções para o francês e o inglês (em outra edição da mesma obra aparecem as traduções para o italiano e o espanhol). Do texto em português foram feitas duas outras edições, uma no Brasil (O Segredo de Fátima nas memórias e cartas da Irmã Lúcia, Edições Loyola, São Paulo, 1974) e em Portugal (O Segredo de Fátima e o futuro de Portugal nos escritos da Irmã Lúcia, Propriedade de L. E., Porto, 1974). Salvo indicação em contrário, nossas referências dizem respeito à edição fac-similar.


Documentação Crítica de Fátima — Serviço de Estudos e Difusão (SESDI), Santuário de Fátima, Pe. Dr. Luciano Coelho Cristino (Director), vol. I, 1992; vol. II, 1999; vol. III-1, 2002; vol. III-2, 2004; vol. III-3, 2005; vol. IV-1, 2006.


A Mensagem de Fátima — Congregação para a Doutrina da Fé, Libreria Editrice Vaticana, Cidade do Vaticano, 2000. Contém todas as peças relativas à divulgação ao Segredo de Fátima. Edições em alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e português.


Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração ImaculadoComo vejo a Mensagem através dos tempos e dos acontecimentos, Carmelo de Coimbra / Secretariado dos Pastorinhos, Coimbra, 2006.


Pe. Joaquín María Alonso CMF — 1) La verdad sobre el secreto de Fátima — Fátima sin mitos, Cor Mariae Centrum, Madrid, 1976; 2) De nuevo el secreto de Fátima, in Ephemerides Mariologicae, Madrid, vol. XXXII, 1982, fasc. 1; 3) Doctrina y espiritualidad del Mensaje de Fátima, Arias Montano Editores, Madrid, 1990.


Pe. Luiz Gonzaga Ayres da Fonseca SJ — Nossa Senhora da Fátima, Editora Vozes, Petrópolis, 5ª edição, 1954.


Plínio Corrêa de OliveiraRevolução e Contra-Revolução, Artpress, São Paulo, 4ª edição, 1998; 1ª edição, 1950.


Giuseppe De CarliEminenza, mi permette?, Piemme, 2004.


Pe. João M. De Marchi IMC — 1) Era uma Senhora mais brilhante que o sol..., Seminário das Missões de Na. Sra. da Fátima, Cova da Iria, 3ª edição; 2) tradução em inglês sob o título de The Crusade of Fatima — The Lady more brilliant than the sun, adaptada pelos PP. Asdrubal Castello Branco e Philip C. M. Kelly CSC, P. J. Kenedy & Sons, New York, 3rd printing, 1948. Salvo indicação em contrário, nossas referências dizem respeito à edição em português.


Pe. Antonio de Almeida Fazenda SJ — Meditações dos primeiros sábados, Mensageiro do Coração de Jesus, Braga, 2ª edição, 1953.


Pe. José Geraldes Freire — O Segredo de Fátima: a terceira parte é sobre Portugal?, Santuário de Fátima, 1977.


Cônego José Galamba de Oliveira — História das Aparições, in Fátima, Altar do Mundo, Ocidental Editora, Porto, 1954, vol. II, pp. 21-160.


Pe. Fernando Leite SJ — Francisco de Fátima, Editorial A.O., Braga, 4ª ed., 1986.


Pe. Luiz Gonzaga Mariz SJ — Fátima, onde o céu tocou a terra, Editora Mensageiro da Fé Ltda., Salvador, 2ª ed., 1954.


Pe. Antonio Maria Martins SJ — Novos documentos de Fátima, Edições Loyola, São Paulo, 1984.


Cônego Dr. Sebastião Martins dos Reis — 1) O milagre do Sol e o Segredo de Fátima, Edições Salesianas, Porto, 1966; 2) Síntese crítica de Fátima — Incidências e Repercussões, Edição do Autor, Évora, 1967; 3A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, Tip. Editorial Franciscana, Braga, 1970.


Pe. Moreira das Neves — As grandes jornadas de Fátima, in Fátima, Altar do Mundo, Ocidental Editora, Porto, 1954, vol. II, pp. 205-303.


Frère Michel de la Sainte Trinité  Toute la vérité sur Fatima, La Contre-Réforme Catholique, Saint-Parres-Lès-Vaudes, tomo I, 1983; tomo II, 1984; tomo III, 1985.



William Thomas Walsh — 1) Our Lady of Fatima, The Macmillan Company, New York, 4th printing, 1947; 2) tradução em português, sob o título de Nossa Senhora de Fátima, Edições Melhoramentos, São Paulo, 2ª edição, 1949. Salvo indicação em contrário, nossas referências dizem respeito à edição em português.


FIM








“Fátima: Mensagem de tragédia ou de esperança?”


Segunda cena

Uma pavorosa catástrofe que deixa o mundo meio em ruínas,

e em cujo proscênio se desencadeia uma perseguição religiosa que faz vítimas

em todas as categorias sociais, inclusive e maximamente um Papa


E vimos n’uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n’um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre». Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições.





Comentário

Uma cena que não seria exagerado qualificar de apocalíptica


O mundo aparece agora semidestruído (“uma grande cidade meio em ruínas”). É forçoso concluir que a intervenção de Nossa Senhora impediu uma destruição total, porém não uma destruição parcial. Os homens obviamente não fizeram a penitência necessária: o castigo desencadeou-se.

Personagem central dessa cena é o Santo Padre que, com “vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas”, vai subindo “uma escabrosa [pedregosa, íngreme] montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos”. Porém, antes de aí chegar, o Papa atravessa “uma grande cidade meio em ruínas, e meio trêmulo, com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho”. A cena é, pois, de uma catástrofe espantosa.

Não seria exagerado qualificá-la de apocalíptica, como apocalíptico é o Anjo que a desencadeou (ressalvado sempre que não se trata do fim do mundo).

O que terá ocorrido? Segundo o Comentário teológico do Cardeal Ratzinger, “tal como os lugares da terra aparecem sinteticamente representados nas duas imagens da montanha e da cidade e estão orientados para a cruz, assim também os tempos são apresentados de forma contraída: na visão, podemos reconhecer o século vinte como século dos mártires, como século dos sofrimentos e perseguições à Igreja, como o século das guerras mundiais e de muitas guerras locais” (A Mensagem de Fátima, pp. 40-41).

Em outras palavras, aquilo que a visão apresenta como uma cena única, é, na realidade, uma superposição de cenas análogas de perseguições à Igreja e destruições (guerras) que se escalonam ao longo do século, e que, infelizmente, estão longe de haver terminado. Basta ter em mente as perseguições a católicos que ocorrem nos próprios dias de hoje, em diversas partes do mundo, e os numerosos conflitos ainda existentes entre povos e nações.

Essa mesma superposição de cenas, o Cardeal Ratzinger distingue na árdua subida da montanha, onde “podemos sem dúvida ver figurados conjuntamente diversos Papas, começando de Pio X até ao Papa atual, que partilharam os sofrimentos deste século e se esforçaram por avançar, no meio deles, pelo caminho que leva à cruz. Na visão, também o Papa é morto na estrada dos mártires». E acrescenta: “Não era razoável que o Santo Padre, quando, depois do atentado de 13 de maio de 1981, mandou trazer o texto da terceira parte do ‘segredo’, tivesse lá identificado o seu próprio destino?” (A Mensagem de Fátima, p. 41).

Se bem que tal correlação do terceiro Segredo com o atentado a João Paulo II não tenha alcançado unanimidade nos meios católicos, ela não pode deixar de ser mencionada reverentemente aqui. Alguns, sem excluir essa hipótese — de que o atentado esteja no contexto das perseguições à Igreja simbolizadas pela visão  preferem ver na imagem do “Bispo vestido de branco” mais um símbolo dos diversos Papas, do que de uma pessoa em particular, como declarou, por exemplo, o Bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim de Sousa Ferreira e Silva (cfr. Corriere della Sera, 27-6-2000). O que, aliás, é opinião compartilhada pelo próprio Cardeal Ratzinger, no trecho citado imediatamente acima.

De qualquer modo, a longa série de martírios descritos no terceiro Segredo — que alcança também “pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições” — prossegue em nossos dias, e não se pode excluir que o ódio dos inimigos da Fé chegue a perpetrar novos atentados de igual ou ainda maior magnitude [escrevêramos isso em setembro de 2000; um ano depois...].

Quais são os agentes humanos desses atentados e destruições, representados na visão pelo “grupo de soldados” que “dispararam vários tiros e setas” contra o Santo Padre e os que o seguem, matando-os uns após outros?

Segundo indicação da Irmã Lúcia em carta dirigida a João Paulo II em 12 de maio de 1982, a terceira parte do Segredo deve ser interpretada à luz da segunda parte, e mais especificamente das palavras: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas”. E ela mesma comenta: “Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo com seus erros. E se não vemos ainda, como fato consumado, o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos largos” (cfr. A Mensagem de Fátima, pp. 8-9).

Ao referir-se pela primeira vez ao texto do terceiro Segredo, no dia 13 de maio de 2000, o Cardeal Ângelo Sodano generaliza o agente humano dessas perseguições para todos os sistemas ateus do século XX (cfr. A Mensagem de Fátima, p. 29). E o faz com fundamento, pois quer o socialismo, quer o nazismo são velada ou claramente caudatários dos erros do comunismo, ainda quando se apresentem como opostos a ele. E, aliás, se projetam, mais ou menos metamorfoseados, século XXI adentro.

Assim, é todo o mundo secularizado e amoral de nossos dias — basta pensar no aborto, no amor livre, na união civil entre homossexuais, que se pretende legalizar por toda parte, nas investidas contra o direito de propriedade, no igualitarismo mais radical que recusa até as desigualdades sociais justas, proporcionadas e harmônicas — é todo esse mundo que está de pé, em revolta contra Deus e a Santa Igreja.

Cabe, por fim, perguntar qual é o fruto desses holocaustos passados, presentes e futuros. A terceira cena da visão nô-lo indica.


Terceira cena

O Grande Retorno da humanidade a Deus


Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n’êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.

Tuy-3-1-1944»


Comentário

Uma visão, “tão angustiante ao início, termina numa imagem de esperança”


A profecia de Fátima só pode ter um ponto final quando a humanidade prevaricadora se reaproximar de Deus. Mas para que essa volta se torne possível, é indispensável que seja regada por graças especialíssimas, simbolizadas pelo sangue dos Mártires que os Anjos derramam sobre as almas que estavam longe de Deus (se se “aproximavam” é porque estavam longe) e para Ele retornam.

A terra assim purificada e renovada pelo sangue de Mártires autênticos corresponde à noção de Reino de Maria, do qual falou São Luís Maria Grignion de Montfort em seu célebre Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem“Tempo feliz em que Maria será estabelecida Senhora e Soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao império de seu grande e único Jesus .... Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae” (nº 217). Noção essa que se compagina admiravelmente com as também célebres palavras que estão no fecho da segunda parte do Segredo de Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará».

Ou esse triunfo se dá sobretudo nos corações dos homens — como ressalta São Luís de Montfort — ou todo o enredo da terceira parte do Segredo fica completamente destituído de sentido. Pois só com o retorno estável da humanidade a Deus — algo que se poderia chamar de um Grande Retorno (Grand Retour em francês, noção que tira sua inspiração de um movimento espiritual na França que tinha como meta promover o Grand Retour das almas a Jesus por Maria) — só com isso será possível que o mundo alcance efetivamente “algum tempo de paz”, conforme Nossa Senhora prometeu (cfr. texto do segundo Segredo).

Assim, pois, uma visão “tão angustiante ao início, termina numa imagem de esperança” (cfr. Cardeal Ratzinger, A Mensagem de Fátima, p. 42).

Por isso, concluímos estes comentários sobre o terceiro Segredo com um cântico de alegria:

“Haec est dies quam fecit Dominus: exsultemus et laetemur in ea. — Castigans castigavit me Dominus et morti non tradidit me”. “Este é o dia que fez o Senhor: exultemos e rejubilemo-nos nesse dia. — Castigando, castigou-me o Senhor, porém não me entregou à morte” (Salmo 117, 24 e 18).

Assim as três partes do Segredo hoje conhecidas podem ser vistas como um todo único que tem como centro a glória de Deus, a exaltação da Santa Madre Igreja e o bem das almas neste e no outro mundo, como resultado de uma intercessão poderosíssima do Coração Imaculado de Maria junto ao Coração de seu Divino Filho, Jesus.


Final da terceira aparição



Passados instantes da visão que constitui a terceira parte do Segredo, Nossa Senhora diz:

“Quando rezais o terço, dizei depois de cada mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem” (6).

6. Circulam formulações um tanto diversas desta jaculatória. Pequenas variantes aparecem até mesmo nos manuscritos e entrevistas da Irmã Lúcia. A formulação que registramos encontra-se na IV Memória, pp. 340 e 342, e foi confirmada pela vidente na entrevista a Walsh (p. 197). Na III Memória, p. 220, em vez de “aquelas”, aparece “as”; o mesmo ela consigna em carta ao Pe. José Bernardo Gonçalves SJ (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 442). Na resposta ao interrogatório do Dr. Goulven, entretanto, a frase final tem a seguinte redação: “e socorrei principalmente as que mais precisarem” (cfr. Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 39). Como se vê, esta última formulação é a que mais se afasta das outras; mas é também aquela em que a vidente menos insiste, constando de apenas um documento. Aliás não se sabe se o Cônego Sebastião Martins dos Reis, que o publicou, transcreveu-o diretamente do manuscrito ou de uma cópia datilografada; nesta última hipótese, seria interessante confrontar o manuscrito e a cópia datilografada do citado interrogatório, para se constatar se não houve algum erro de transcrição.

O certo é que os videntes, ao rezarem a jaculatória entendiam-na aplicada às almas que se encontram em maior perigo de condenação, e não às almas do Purgatório. Afirma-o expressamente a Irmã Lúcia em carta de 18 de maio de 1941, ao Pe. Gonçalves: “Traduziram-na [a jaculatória] fazendo a última súplica pelas almas do Purgatório, porque diziam não entender o sentido das últimas palavras; mas eu creio que Nossa Senhora se referia às almas que se encontram em maior perigo de condenação. Foi esta a impressão que me ficou, e talvez a V. Revcia. lhe pareça o mesmo depois de ter lido a parte que escrevi do Segredo, e sabendo que nô-la ensinou a seguir, na 3ª[aparição, em] julho” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 442). Por isso, a fórmula “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, aliviai as almas do Purgatório, especialmente as mais abandonadas” é certamente incorreta.

O emprego do diminutivo “alminhas” é um provincianismo português, razão pela qual se costuma recitar a jaculatória usando essa palavra na forma normal.


Lúcia“Vossemecê não me quer mais nada?”

Nossa Senhora“Não, hoje não te quero mais nada”.

E como de costume, começou a elevar-Se em direção ao nascente, até desaparecer na imensa distância do firmamento”.


Ouviu-se então uma espécie de trovão indicando que a aparição cessara (7).


7. Assaltados, após esta aparição, por perguntas sobre o que Nossa Senhora teria dito, os videntes anunciaram que se tratava de segredo. — “Bom ou mau?”, insistiram os interlocutores. — “Bom para uns, mau para outros”, responderam as crianças (cfr. De Marchi, p. 94; Walsh, ed. em inglês, p. 84: a ed. em português omitiu este diálogo).

Antes da última aparição, interrogados Francisco e Jacinta pelo Cônego Dr. Manuel Nunes Formigão, sobre se “o povo ficava triste se soubesse o segredo”, responderam: — “Ficava” (cfr. De Marchi, pp. 151-152; Walsh, p. 121).

 (Cfr. II Memória, p. 138; III Memória, pp. 218 e 220; IV Memória, pp. 336 a 342; De Marchi, pp. 90-93; Walsh, pp. 75-77; Ayres da Fonseca, pp. 41-46; Galamba de Oliveira, pp. 72-78 e 146-147).




Quarta aparição: 19 de agosto de 1917


No dia 13 de agosto, em que deveria dar-se a quarta aparição, os videntes não puderam comparecer à Cova da Iria, pois foram raptados pelo Administrador de Ourém, que à força quis arrancar-lhes o segredo. As crianças permaneceram firmes.

Na hora costumeira, na Cova da Iria, ouviu-se um trovão, ao qual se seguiu o relâmpago, tendo os espectadores notado uma pequena nuvem branca que pairou alguns minutos sobre a azinheira. Observaram-se também fenômenos de coloração, de diversas cores, do rosto das pessoas, das roupas, das árvores, do chão. Nossa Senhora certamente tinha vindo, mas não encontrara os videntes.

Entretanto, voltou alguns dias depois. No dia 19 de agosto (8), Lúcia estava com Francisco e mais um primo no local chamado Valinhos, propriedade de um de seus tios, quando, pelas 4 horas da tarde, começaram a se produzir as alterações atmosféricas que precediam as aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria: um súbito refrescar da temperatura e um desmaiar do sol. Lúcia, sentindo que alguma coisa de sobrenatural se aproximava e os envolvia, mandou chamar às pressas Jacinta, a qual chegou em tempo para ver Nossa Senhora que — anunciada, como das outras vezes, por um reflexo de luz — aparecera sobre uma azinheira, ou carrasqueira, um pouco maior que a da Cova da Iria.


8. Há alguma dúvida sobre esta data. A própria Irmã Lúcia não se lembra ao certo: na II e na IV Memórias diz que foi no dia 15; mas na resposta ao Dr. Goulven opta pelo dia 19, escrevendo à margem: “É ao que eu mais me inclino, porque para ser no dia 15, teríamos estado só um dia inteiro na prisão; e recordo que estivemos mais” (Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 43).

No inquérito canônico do dia 8 de julho de 1924, Lúcia faz um relato circunstanciado, dia por dia, de sua prisão (juntamente com os outros videntes), e diz que os três voltaram de Ourém no dia 16. No entanto, os editores da Documentação Crítica de Fátima afirmam que Lúcia se equivoca, e que foi no dia 15 que regressaram a Fátima (cfr. vol. I, pp. 296, 370 e 380-381).

Ora, tanto em suas Memórias (II IV), como no inquérito canônico, Lúcia afirma peremptoriamente que a aparição dos Valinhos ocorreu no mesmo dia de sua volta de Vila Nova de Ourém, a qual, portanto, ter-se-ia dado no dia 15.

Por outro lado, como as crianças foram raptadas no dia 13, a ter-se dado a aparição no dia 19, elas teriam ficado presas seis dias, o que também parece excessivo. Por isso, Galamba de Oliveira (p. 83) opta pelo dia 15, ponderando que pode ter havido um erro de contagem de uma noite e um dia, na narrativa feita por Lúcia perante a comissão canônica, em 1924.

Não obstante, a maioria dos autores dá como certa a data de 19 de agosto, correspondente ao domingo subseqüente, pois a vidente se recorda de que a aparição se deu num dia de preceito (também o dia 15, Assunção de Nossa Senhora, era dia de preceito...).


Lúcia“Que é que Vossemecê me quer?”

Nossa Senhora“Quero que continueis a ir à Cova da Iria no dia 13 e que continueis a rezar o terço todos os dias. No último mês farei o milagre para que todos acreditem” (9).

9. Neste ponto, De Marchi acrescenta às palavras de Nossa Senhora: “Se não vos tivessem levado à aldeia (termo corrente na região para designar Vila Nova de Ourém, outrora aldeia), o milagre seria mais grandioso”.

O Cônego Formigão, no seu interrogatório de 2 de novembro de 1917, anotou uma frase de sentido diverso: “Se não tivessem sido presas não seria o milagre tão conhecido”. O que justifica o comentário da Documentação Crítica de Fátima“A prisão das crianças, com a intervenção da autoridade administrativa, criou uma maior expectativa em relação ao anunciado milagre de 13 de outubro” (op. cit., vol. I, p. 18).

Nenhuma das duas versões aparece nas Memórias da Irmã Lúcia.

Lúcia“Que é que Vossemecê quer que se faça do dinheiro que o povo deixa na Cova da Iria?”

Nossa Senhora“Façam dois andores; um leva-o tu com a Jacinta e mais duas meninas vestidas de branco, o outro, que o leve o Francisco com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa Senhora do Rosário, e o que sobrar é para a ajuda de uma capela que hão de mandar fazer” (10).

10. Pelo relatório que Lúcia fez desta aparição ao Prior da freguesia de Fátima no dia 21 de agosto de 1917, confirmado pelas respostas ao inquérito canônico do dia 8 de julho de 1924, esta última frase não teria sido dita na quarta, mas na quinta aparição, onde De Marchi a coloca (cfr. De Marchi, p. 127).

Lúcia“Queria pedir-Lhe a cura de alguns doentes”.

Nossa Senhora“Sim, alguns curarei durante o ano”. E tomando um aspecto mais triste, recomendou-lhes de novo a prática da mortificação, dizendo, no fim de tudo: “Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas”.

E, como de costume, começou a elevar-Se em direção ao nascente”.


Os videntes cortaram ramos da árvore sobre a qual Nossa Senhora lhes tinha aparecido, e levaram-nos para casa. Os ramos exalavam um perfume singularmente suave.

(Cfr. II Memória, p. 150; IV Memória, pp. 342 e 344; De Marchi, pp. 127-129; Walsh, pp. 109-110; Ayres da Fonseca, pp. 61-62; Galamba de Oliveira, p. 89).



Quinta aparição: 13 de setembro de 1917


Como das outras vezes, uma série de fenômenos atmosféricos foram observados pelos circunstantes, cujo número foi calculado entre 15 a 20 mil pessoas, ou talvez mais: o súbito refrescar da atmosfera, o empalidecer do sol até ao ponto de se verem as estrelas, uma espécie de chuva como que de pétalas irisadas ou flocos de neve, que desapareciam antes de pousarem na terra. Em particular foi notado, desta vez, um globo luminoso que se movia lenta e majestosamente pelo céu, do nascente para o poente, e, no final da aparição, em sentido contrário. Os videntes notaram, como de costume, o reflexo de uma luz e, a seguir, Nossa Senhora sobre a azinheira:

Nossa Senhora“Continuem a rezar o terço para alcançarem o fim da guerra. Em outubro virá também Nosso Senhor, Nossa Senhora das Dores e do Carmo, São José com o Menino Jesus, para abençoarem o mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda, trazei-a só durante o dia” (11).

11. As crianças tinham passado a usar como cilício um pedaço de corda grossa, que não tiravam nem para dormir. Isto lhes impedia muitas vezes o sono, e passavam noites inteiras em claro. Daí o elogio e a recomendação de Nossa Senhora.

Lúcia“Têm-me pedido para Lhe pedir muitas coisas: cura de alguns doentes, de um surdo-mudo”.

Nossa Senhora“Sim, alguns curarei, outros não (12). Em outubro farei um milagre para que todos acreditem” (13).

12. De Marchi continua a frase de Nossa Senhora: “porque Nosso Senhor não se fia neles”.

O pároco de Fátima anotou uma frase de sentido idêntico: “porque Nosso Senhor não quer crer neles” (cfr. Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 22).

Nas respostas ao Dr. Goulven, a Irmã Lúcia diz que não se recorda de ter referido esta frase (cfr. Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 45).

De Marchi coloca, neste ponto, ainda o seguinte pedido de Lúcia a Nossa Senhora: “Há muitos que dizem que eu sou uma intrujona, que merecia ser enforcada ou queimada. Faça um milagre para que todos creiam”.

Nenhuma dessas frases aparece nas Memórias da Irmã Lúcia.

13. De Marchi acrescenta o seguinte diálogo:

Lúcia“Umas pessoas deram-me duas cartas para Vossemecê e um frasco de água de colônia”.

Nossa Senhora“Isso de nada serve para o Céu”.

Tal colóquio, com pequenas variantes, também foi anotado pelo Pároco de Fátima (cfr. Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 22).

Entretanto, em resposta ao interrogatório do Pe. José Pedro da Silva, a Irmã Lúcia diz que não se lembra de ter oferecido “água de cheiro” a Nossa Senhora (cfr. Sebastião Martins dos Reis, A Vidente de Fátima dialoga e responde pelas Aparições, p. 63).

Este colóquio também não aparece nas Memórias da vidente.

“E começando a elevar-Se, desapareceu como de costume”.

(Cfr. II Memória, p. 156; IV Memória, pp. 346 e 348; De Marchi, pp. 138-139; Walsh, pp. 115-116; Ayres da Fonseca, pp. 70-71; Galamba de Oliveira, p. 93).



Sexta e última aparição: 13 de outubro de 1917

Como das outras vezes, os videntes notaram o reflexo de uma luz e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira:

Lúcia“Que é que Vossemecê me quer?”

Nossa Senhora“Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para suas casas”.

Lúcia“Eu tinha muitas coisas para Lhe pedir. Se curava uns doentes e se convertia uns pecadores...”

Nossa Senhora“Uns sim, outros não (14). É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados”. E tomando um aspecto triste: “Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido” (15).

14. Em carta de 18 de maio de 1941 ao Pe. José Bernardo Gonçalves SJ, a Irmã Lúcia esclarece que, neste ponto, Nossa Senhora disse que concederia algumas dessas graças dentro de um ano, e outras não (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 442).

15. De Marchi conclui esta aparição da seguinte maneira:

Lúcia“Não quer mais nada de mim”.

Nossa Senhora“Não quero mais nada”.

Lúcia“E eu também não quero mais nada”.

Esse pitoresco colóquio não aparece nas Memórias da Irmã Lúcia. Entretanto, o Pároco de Fátima, em seu interrogatório à vidente logo no dia 16 de outubro, anotou as duas primeiras frases deste diálogo, com pequenas variantes (cfr. Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 24).

Em seguida, abrindo as mãos, Nossa Senhora fê-las refletir no sol, e enquanto Se elevava, continuava o reflexo da sua própria luz a projetar-se no sol.


Lúcia, nesse momento, exclamou: “Olhem para o sol!”


Três quadros simbólicos dos mistérios do Rosário

Desaparecida Nossa Senhora na imensa distância do firmamento, desenrolaram-se aos olhos dos videntes três quadros, sucessivamente, simbolizando primeiro os mistérios gozosos do Rosário, depois os dolorosos e por fim os gloriosos (apenas Lúcia viu os três quadros; Francisco e Jacinta viram apenas o primeiro):

Apareceram, ao lado do sol, São José com o Menino Jesus, e Nossa Senhora do Rosário. Era a Sagrada Família. A Virgem estava vestida de branco, com um manto azul. São José também se vestia de branco e o Menino Jesus de vermelho claro. São José abençoou a multidão, traçando três vezes o sinal da Cruz. O Menino Jesus fez o mesmo.

Seguiu-se a visão de Nossa Senhora das Dores e de Nosso Senhor acabrunhado de dor no caminho do Calvário. Nosso Senhor traçou um sinal da Cruz para abençoar o povo. Nossa Senhora não tinha a espada no peito. Lúcia via apenas a parte superior do Corpo de Nosso Senhor.

Finalmente apareceu, numa visão gloriosa, Nossa Senhora do Carmo, coroada Rainha do Céu e da Terra, com o Menino Jesus ao colo.


O milagre do sol


Enquanto estas cenas se desenrolavam aos olhos dos videntes, a grande multidão de 50 a 70 mil espectadores assistia ao milagre do sol.

O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
Chovera durante toda a aparição. Ao encerrar-se o colóquio de Lúcia com Nossa Senhora, no momento em que a Santíssima Virgem Se elevava e que Lúcia gritava “Olhem para o sol!”, as nuvens se entreabriram, deixando ver o sol como um imenso disco de prata.


Brilhava com intensidade jamais vista, mas não cegava. Isto durou apenas um instante. A imensa bola começou a “bailar”. Qual gigantesca roda de fogo, o sol girava rapidamente.

Parou por certo tempo, para recomeçar, em seguida, a girar sobre si mesmo, vertiginosamente. Depois seus bordos tornaram-se escarlates e deslizou no céu, como um redemoinho, espargindo chamas vermelhas de fogo.

Essa luz refletia-se no solo, nas árvores, nos arbustos, nas próprias faces das pessoas e nas roupas, tomando tonalidades brilhantes e diferentes cores.

Animado três vezes de um movimento louco, o globo de fogo pareceu tremer, sacudir-se e precipitar-se em ziguezague sobre a multidão aterrorizada.

Durou tudo uns dez minutos. Finalmente o sol voltou em ziguezague para o ponto de onde se tinha precipitado, ficando novamente tranqüilo e brilhante, com o mesmo fulgor de todos os dias.

O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
O milagre do sol noticiado pela imprensa da época
O ciclo das aparições havia terminado.

Muitas pessoas notaram que suas roupas, ensopadas pela chuva, tinham secado subitamente.

O milagre do sol foi observado também por numerosas testemunhas situadas fora do local das aparições, até a 40 quilômetros de distância.

(Cfr. II Memória, p. 162; IV Memória, pp. 348 e 350; De Marchi, pp. 165-166; Walsh, pp. 129-131; Ayres da Fonseca, pp. 91-93; Galamba de Oliveira, pp. 95-97).





Capítulo III


Algumas visões particulares



No pouco tempo que passaram na terra depois das aparições, e mesmo no período abrangido por estas, Francisco e Jacinta, mas sobretudo esta última, tiveram isoladamente diversas visões. Relataremos aqui as principais.

Francisco: graças místicas do mais elevado grau

 “O Francisco — diz a Irmã Lúcia — pareceu ser o que menos se impressionou com a vista do Inferno” (IV Memória, p. 266). O Pe. Joaquín María Alonso opina que a percepção mística de Francisco era do mais alto grau e, por isso, “a própria visão do inferno não o impressionou tanto, certamente porque contemplou o mistério da Iniqüidade à luz superior da contemplação mística” (Doctrina y espiritualidad del mensaje de Fátima, p. 122). “O que mais o impressionava ou absorvia — comenta a Irmã Lúcia — era Deus, a Santíssima Trindade, nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma” (IV Memória, p. 266).

O que não impediu que, em outras visões de menor porte, tremesse de medo diante da visão do demônio. A Irmã Lúcia assim descreve essa cena:

“Andávamos, um dia, num sítio chamado Pedreira, e, enquanto as ovelhas pastavam, saltávamos de penedo em penedo, fazendo ecoar a voz no fundo desses grandes barrancos. O Francisco, como era seu costume, retirou-se lá para a concavidade de um penedo.

Passado um bom bocado, ouvimo-lo gritar e chamar por nós e por Nossa Senhora. Aflitas pelo que lhe teria acontecido, começamos a procurá-lo, chamando por ele.

— Onde estás?

    Aqui! Aqui!
     
Mas ainda nos levou tempo a encontrá-lo. Por fim, lá demos com ele, a tremer de medo, ainda de joelhos, que, aflito, nem arte tinha tido para se pôr de pé.

— Que tens?! Que foi?!

Com a voz meio sufocada pelo susto, lá disse: ‘Era um daqueles bichos grandes, que estavam no Inferno, que estava aqui a deitar lume [pôr fogo]’” (IV Memória, pp. 288, 290).

“Que luz tão bonita, ali, junto da nossa janela”

Francisco, o que mais queria era consolar a Nosso Senhor ofendido pelos pecados dos homens. Assim, nas vésperas de morrer, disse à Lúcia:

“— Olha! Estou muito mal; já me falta pouco para ir para o Céu.

— Então vê lá: não te esqueças de lá pedir muito pelos pecadores, pelo Santo Padre, por mim e pela Jacinta.

— Sim, eu peço; mas olha: essas coisas pede-as antes à Jacinta, que eu tenho medo de me esquecer quando vir a Nosso Senhor! E, depois, antes O quero consolar” (IV Memória, p. 304).

Por isso certamente foi premiado com uma visão celeste pouco antes de morrer. Narra o Pe. Fernando Leite SJ: “Nesse dia 4 de abril de 1919, a certa altura exclamou: — ‘Ó minha mãe, que luz tão bonita, ali, junto da nossa janela!’. — E depois de alguns minutos de doce enleio: — ‘Agora já não vejo’ (Inquérito Paroquial de 28 de setembro de 1923). — Passado pouco tempo, o seu rosto iluminou-se com um sorriso angélico e, pelas 10 horas da manhã, sem agonia, sem uma contração, sem um gemido, expirou docemente” (Francisco de Fátima, p. 154).

É lícito supor que foi o próprio Deus, que é luz infinitamente bela, que assim se manifestou no derradeiro momento ao confidente da Virgem.




Jacinta: profunda compenetração da mensagem de Fátima

Tal como o Francisco, Jacinta se compenetrou profundamente de tudo quanto viu e ouviu durante o ciclo das aparições de 1917 (bem como das aparições do Anjo, no ano anterior), e foi depois favorecida com várias visões particulares de Nossa Senhora ou relativas a aspectos da mensagem de Fátima:

Numa ocasião, aproximadamente ao meio-dia, junto ao poço da casa dos pais de Lúcia, Jacinta perguntou a Lúcia:

— “Não viste o Santo Padre?”

— “Não”.

— “Não sei como foi, eu vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos diante de uma mesa, com as mãos no rosto a chorar; fora da casa estava muita gente e uns atiravam-lhe pedras, outros rogavam-lhe pragas e diziam-lhe muitas palavras feias. Coitadinho do Santo Padre, temos que pedir muito por ele!” (cfr. III Memória, p. 228; De Marchi, pp. 98-99; Walsh, p. 85; Ayres da Fonseca, p. 136).

Numa tarde de agosto de 1917, estando os videntes sentados nos rochedos do outeiro do Cabeço, Jacinta pôs-se subitamente a rezar a oração que o Anjo lhes ensinara, e depois de um profundo silêncio disse à prima:

— “Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente a chorar com fome e não têm nada para comer? E o Santo Padre numa igreja diante do Imaculado Coração de Maria a rezar? E tanta gente a rezar com ele?” (cfr. III Memória, p. 228; De Marchi, p. 99; Walsh, p. 84; Ayres da Fonseca, p. 137).

A Irmã Lúcia acrescenta:

“Passados alguns dias, perguntou-me: posso dizer que vi o Santo Padre e toda aquela gente? — Não. Não vês que isso faz parte do Segredo?! Que por aí logo se descobria? — Está bem; então não digo nada” (III Memória, p. 228).

Um dia, em casa de Jacinta, Lúcia encontrou-a muito pensativa e interrogou-a:

— “Jacinta, que estás a pensar?”

— “Na guerra que há de vir. Há de morrer tanta gente! E vai quase toda para o inferno! Hão de ser arrasadas muitas casas e mortos muitos Padres. Olha, eu vou para o Céu, e tu quanto vires de noite essa luz que aquela Senhora disse que vem antes, foge para lá também” (cfr. III Memória, p. 228; De Marchi, p. 238; Walsh, p. 85; Ayres da Fonseca, pp. 161-162).


Últimas visões de Jacinta


Em fins de outubro de 1918, Francisco e Jacinta adoeceram, quase ao mesmo tempo. Indo visitá-los, Lúcia encontrou Jacinta no auge da alegria. Esta explicou-lhe a causa:

— “Nossa Senhora veio-nos ver, e disse que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. Disse-me que ia para um hospital, que lá sofreria muito. Que sofresse pela conversão dos pecadores, em reparação dos pecados contra o Imaculado Coração de Maria, e por amor de Jesus. Perguntei se tu ias comigo. Disse que não. Isto é o que me custa mais. Disse que ia minha mãe levar-me, e, depois, fico lá sozinha!” (cfr. I Memória, p. 70; De Marchi, p. 227; Walsh, p. 146; Ayres da Fonseca, p. 153).

Durante a doença dos dois videntes, Lúcia visitava-os freqüentemente. Conversavam então longamente sobre os acontecimentos de que tinham sido protagonistas. Transcrevemos algumas observações de Jacinta:

— “Já me falta pouco para ir para o Céu. Tu ficas cá para dizeres que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Quando for para dizeres isso, não te escondas, dize a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria, que Lhas peçam a Ela, que o Coração de Jesus quer que, a seu lado, se venere o Coração Imaculado de Maria. Que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria, que Deus Lha entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro no peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!” (cfr. III Memória, p. 234; De Marchi, p. 244; Walsh, p. 156).

— “Olha, sabes? Nosso Senhor está triste porque Nossa Senhora disse-nos para não O ofenderem mais, que já estava muito ofendido e ninguém fez caso; continuam a fazer os mesmos pecados” (cfr. III Memória, p. 236; De Marchi, p. 243; Walsh, p. 157).

Em fins de dezembro de 1919, Nossa Senhora apareceu novamente à Jacinta, que assim relatou o fato à prima:

— “Disse-me que vou para Lisboa, para outro hospital (16); que não te torno a ver, nem a meus pais; que depois de sofrer muito, morro sozinha; mas que não tenha medo, que me vai lá Ela a buscar para o Céu” (cfr. I Memória, pp. 74 e 76; De Marchi, p. 245; Walsh, p. 157; Ayres da Fonseca, p. 162).

16. Em julho de 1919, Jacinta fora levada para o Hospital de Vila Nova de Ourém, ficando ali dois meses.

“Quem te ensinou tantas coisas?”

Transportada para Lisboa, Jacinta ficou primeiramente num orfanato contíguo à Igreja de Nossa Senhora dos Milagres, sendo depois levada para o Hospital Dona Estefânia. No primeiro destes estabelecimentos foi assistida pela Madre Maria da Purificação Godinho, que tomou nota — embora nem sempre literalmente — de suas últimas palavras.

Reproduzimos abaixo algumas delas, repassadas de tom profético e cheias de unção e ensinamentos, aliás em perfeita consonância com o teor geral da mensagem de Fátima. Por isso são recebidas em geral como autênticas pelos estudiosos de Fátima. De Marchi publica-as agrupadas por assunto.


Sobre a guerra


“Nossa Senhora disse que no mundo há muitas guerras e discórdias.

As guerras não são senão castigos pelos pecados do mundo.

Nossa Senhora já não pode suster o braço do seu amado Filho sobre o mundo.

É preciso fazer penitência. Se a gente se emendar, ainda Nosso Senhor valerá ao mundo; mas, se não se emendar, virá o castigo.

Nosso Senhor está profundamente indignado com os pecados e crimes que se cometem em Portugal. Por isto, um terrível cataclismo de ordem social ameaça o nosso País e principalmente a cidade de Lisboa. Desencadear-se-á, segundo parece, uma guerra civil de caráter anarquista ou comunista, acompanhada de saques, morticínios, incêndios e devastações de toda espécie. A capital converter-se-á numa verdadeira imagem do inferno. Na ocasião em que a Divina Justiça ofendida infligir tão pavoroso castigo, todos aqueles que o puderem fazer fujam dessa cidade. Este castigo agora predito convém que seja anunciado pouco a pouco e com a devida discrição” (cfr. De Marchi, p. 255; Walsh, pp. 160-161).

“Se os homens não se emendarem, Nossa Senhora enviará ao mundo um castigo como não se viu igual, e, antes dos outros países, à Espanha” (De Marchi, p. 92).

Jacinta falava também de “grandes acontecimentos mundiais que se deviam realizar por volta de 1940” (De Marchi, p. 92).

Sobre os sacerdotes e os governantes

“Minha madrinha, peça muito pelos pecadores!

Peça muito pelos Padres!

Peça muito pelos Religiosos!

Os Padres só deviam ocupar-se das coisas da Igreja.

Os Padres devem ser puros, muito puros.

A desobediência dos Padres, e dos Religiosos aos seus Superiores e ao Santo Padre ofende muito a Nosso Senhor.

Minha madrinha, peça muito pelos governos!

Ai dos que perseguem a Religião de Nosso Senhor!

Se o governo deixasse em paz a Igreja e desse a liberdade à Santa Religião, era abençoado por Deus” (De Marchi, pp. 255-256; Walsh, p. 161).

Sobre o pecado

“Os pecados que levam mais almas para o inferno são os pecados da carne.

Hão de vir umas modas que hão de ofender muito a Nosso Senhor.

As pessoas que servem a Deus não devem andar com a moda. A Igreja não tem modas. Nosso Senhor é sempre o mesmo.

Os pecados do mundo são muito grandes.

Se os homens soubessem o que é a eternidade, faziam tudo para mudar de vida.

Os homens perdem-se porque não pensam na morte de Nosso Senhor e não fazem penitência.

Muitos matrimônios não são bons, não agradam a Nosso Senhor e não são de Deus”.

Sobre as virtudes cristãs

“Minha madrinha, não ande no meio do luxo; fuja das riquezas.

Seja muito amiga da santa pobreza e do silêncio.

Tenha muita caridade, mesmo com quem é mau.

Não fale mal de ninguém e fuja de quem diz mal.

Tenha muita paciência, porque a paciência leva-nos para o Céu.

A mortificação e os sacrifícios agradam muito a Nosso Senhor.

A Confissão é um sacramento de misericórdia. Por isso é preciso aproximarem-se do confessionário com confiança e alegria. Sem confissão não há salvação.

A Mãe de Deus quer mais almas virgens, que se liguem a Ela pelo voto de castidade.

Para ser Religiosa é preciso ser muito pura na alma e no corpo”.

— “E sabes tu o que quer dizer ser pura?” — perguntou a Madre Godinho.

— “Sei, sei. Ser pura no corpo é guardar a castidade; e ser pura na alma é não fazer pecados; não olhar para o que não se deve ver, não roubar, não mentir nunca, dizer sempre a verdade ainda que nos custe...”

“Quem não cumpre as promessas que faz a Nossa Senhora nunca terá felicidade nas suas coisas.

“Os médicos não têm luz para curar bem os doentes, porque não têm amor de Deus”.

— “Quem foi que te ensinou tantas coisas?” — pergunta a Madre Godinho.

— “Foi Nossa Senhora; mas algumas penso-as eu. Gosto muito de pensar” (De Marchi, pp. 254-256; Walsh, pp. 161-162).

Notando que muitas visitas conversavam e riam na capela do orfanato, Jacinta pediu à Madre Godinho que as advertisse da falta de respeito que isso constituía para com a Presença real. Não dando tal medida resultados satisfatórios, pedia que comunicasse isso ao Cardeal: “Nossa Senhora não quer que a gente fale na igreja” (De Marchi, p. 252; Walsh, p. 160).



Últimos dias de Jacinta


Durante a sua curta permanência no hospital, Jacinta foi favorecida com novas visitas de Nossa Senhora, que lhe anunciou o dia e a hora em que haveria de morrer. Quatro dias antes de a levar para o Céu, a Santíssima Virgem tirou-lhe todas as dores.

Nas vésperas de sua morte, alguém perguntou-lhe se queria ver a mãe. Jacinta respondeu:

— “A minha família durará pouco tempo e em breve se encontrarão no Céu... Nossa Senhora aparecerá outra vez, mas não a mim, porque com certeza morro, como Ela me disse...” (De Marchi, p. 262).

Nossa Senhora veio buscar Jacinta no dia 20 de fevereiro de 1920.

Jacinta foi sepultada no cemitério de Vila Nova de Ourém. Francisco o fora, anteriormente, no cemitério de Fátima. Em 12 de setembro de 1935, os restos mortais de Jacinta foram transladados para o cemitério de Fátima, onde foram depositados num jazigo novo especialmente construído para ela e seu irmão. Na lápide, uma inscrição singela dizia: “Aqui repousam os restos mortais de Francisco e Jacinta, a quem Nossa Senhora apareceu”.

Mais tarde (em 1951 e 1952, respectivamente), os preciosos despojos foram levados para o transepto da Basílica de Fátima, onde se encontram.

Os processos canônicos preparatórios para a beatificação dos dois videntes de Fátima foram oficialmente iniciados em 1949. E em 28 de junho de 1999 foi exarado o decreto reconhecendo a autenticidade do milagre necessário para a beatificação. Por fim, no dia 13 de maio de 2000, S.S. João Paulo II deslocou-se pessoalmente ao Santuário de Fátima, onde procedeu solenemente, perante uma multidão calculada em 400 mil pessoas, à beatificação dos servos de Deus Francisco e Jacinta Marto, cuja festa celebrar-se-á anualmente, “nos lugares e segundo as normas do direito, no dia 20 de fevereiro” (Voz da Fátima, 13-6-2000).






Capítulo IV


A missão da Irmã Lúcia



Quando da segunda aparição, ao pedido de Lúcia para que a levasse para o Céu juntamente com seus primos, Nossa Senhora lhe respondeu, como vimos:

— “Sim, à Jacinta e ao Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.

Estas palavras indicam claramente que Lúcia, além de depositária dos segredos revelados por Nossa Senhora, ficava nesta terra para desempenhar uma determinada missão.


A sétima aparição

Antes de mais nada, cabe lembrar que, logo na primeira aparição, no dia 13 de maio, Nossa Senhora anunciara:

— “Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez”.

Devia, portanto, dar-se uma sétima aparição de Nossa Senhora, na Cova da Iria. Quando? O que Nossa Senhora queria comunicar ou manifestar nela aos homens? Seja como for, era normal admitir que a Irmã Lúcia deveria ser, ainda uma vez, a confidente de Nossa Senhora na Cova da Iria.

Assim, a não ser que esta sétima aparição se tenha dado secretamente, representaria ela uma das grandes expectativas do assunto Fátima. Com o desaparecimento da Irmã Lúcia, ela evidentemente não poderá mais ser a privilegiada vidente dessa aparição, se e quando vier a ocorrer.

Os autores que admitem já ter ocorrido tal aparição em caráter particular para a Irmã Lúcia — numa das ocasiões em que ela passou pela Cova da Iria, após o ciclo das aparições de 1917 — não fornecem, a nosso ver, dados conclusivos.

Assim, por exemplo, o Cônego Galamba de Oliveira — a quem a historiografia de Fátima deve preciosos serviços — narra que, estando com a Irmã Lúcia na Cova da Iria em 26 de maio de 1946, em determinado momento interrogou-a:

— Olhe cá. A Irmã diz que Nossa Senhora prometeu voltar uma sétima vez. Já voltou? — Já. — Pode-me dizer quando e onde? — Posso. É simples. E como alguém se aproximava e receava que ouvissem, rematou: eu logo lhe conto. E contou, ao depois, como, no dia de sua despedida da Cova da Iria, à ida para o Porto [17 de junho de 1921], vira outra vez Nossa Senhora ao fundo da pequenina encosta onde hoje se ergue a escadaria em frente à Igreja. — E não lhe disse nada? — Não. Mas aquela visão, naquele sítio e naquele dia, encheram-lhe a alma de força para levar a cruz que o esposo divino lhe punha aos ombros” (A história das aparições, in Fátima Altar do mundo, vol. II, p. 133).

Da mesma opinião é o Pe. Joaquín Maria Alonso — reconhecidamente um dos maiores peritos em Fátima — em seu livro Doctrina y espiritualidad del mensaje de Fátima (cfr. pp. 41, 46, 284 e 335).

Levanta-se, porém, a nosso ver, uma dificuldade de ordem superior: o fato de Nossa Senhora ter enumerado esta aparição na seqüência das seis primeiras — “depois voltarei ainda aqui uma sétima vez” — induz a pensar que ela deveria ter mais bem um caráter público, como o tiveram as outras seis, e não caráter privado, como teria ocorrido, segundo os referidos autores. Tanto mais quanto a Irmã Lúcia teve, fora de Fátima, numerosas e importantes visões (que a seguir descreveremos). Que sentido tinha Nossa Senhora destacar uma sétima aparição, em Fátima, se depois iria aparecer alhures, com freqüência, à Irmã Lúcia, em assuntos sempre atinentes à mensagem de 1917?

Análoga é a opinião do Cônego Sebastião Martins dos Reis, em seu valioso livro Síntese crítica de Fátima (p. 63, nota 39): “É fato positivo que a Mãe de Deus apareceu à vidente, ainda em Fátima, a 17 de junho de 1921, quando Lúcia, alta madrugada, ali foi, com a mãe, rezar o Terço e despedir-se daqueles lugares indelevelmente ligados à sua vida, antes de seguir para Leiria a tomar o comboio que a levaria ao Porto, ao Asilo de Vilar, onde ficou como interna. (...) Apesar da sua coincidência material [de lugar], é muito problemático que esta sétima aparição, tão estritamente individual, corresponda e realize a sétima aparição, prometida a 13 de maio de 1917. A avaliar pelas primeiras seis, esta sétima aparição parece requerer e implicar destinatários e audiência de índole igualmente geral e coletiva”.

Endossa essas considerações Frère Michel de la Sainte Trinité (cfr. Toute la vérité sur Fatima, tomo I, pp. 186-187).

Os preclaros autores que consideram o assunto encerrado não enfrentam, entretanto, essa dificuldade. De modo que a sétima aparição, anunciada com tão grande destaque por Nossa Senhora, nos parece — salvo melhor juízo — uma questão em aberto.

Os eventos previstos em Fátima não estando ainda concluídos — conforme demonstramos nos comentários ao Segredo (cfr. Capítulo II) — poder-se-ia conjecturar que essa sétima aparição representaria o “ponto final” da Mensagem de Fátima, que Nossa Senhora mesma sintetizou nas célebres palavras: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. Uma aparição, enfim, que marcasse o início de uma nova era histórica, conforme anteviu o Papa Pio XII na encíclica Ad Caeli Reginam (cfr. AAS, 1959, vol. XLVI, p. 638), em perfeita consonância com a noção, à qual nos temos referido mais de uma vez, do Século de Maria ou Reino de Maria preconizado por São Luís Maria Grignion de Montfort.

Esta aparição, sim, poderia constituir o “fecho de ouro” da Mensagem, que afinal anuncia, nada mais nada menos — como conseqüência necessária do triunfo do Imaculado Coração de Maria — o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Santa Igreja, após tantos séculos de um processo revolucionário que levantou os homens e as instituições humanas contra Deus, como bem descreveu o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu célebre tratado Revolução e Contra-Revolução (ver Obras citadas).



O itinerário de Lúcia

A 17 de junho de 1921, Lúcia partiu de Aljustrel para o Porto, e foi recebida como aluna interna no Colégio das Irmãs Dorotéias, em Vilar, subúrbio desta última cidade. Em 24 de outubro de 1925 ingressa no Instituto de Santa Dorotéia, sendo então admitida como postulante no convento dessa Congregação em Tuy, na Espanha, junto da fronteira com Portugal. A 2 de outubro de 1926 é noviça. A 3 de outubro de 1928 pronuncia seus primeiros votos como Irmã conversa. Seis anos depois, no mesmo dia de outubro, emite votos perpétuos. Toma o nome de religião de Irmã Maria das Dores.

Por ocasião da revolução comunista na Espanha, é transferida, por motivos de segurança, para o Colégio do Sardão, em Vila Nova de Gaia (Portugal), onde permanece durante algum tempo.

Mais tarde, no dia 26 de maio de 1946, a Irmã Lúcia pôde rever o local das aparições, tendo estado na Cova da Iria, na gruta do Cabeço e no sítio dos Valinhos.

Posteriormente, em 25 de março de 1948, deixou o Instituto de Santa Dorotéia para ingressar no Carmelo de São José, em Coimbra, com o nome de Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado. A 13 de maio do mesmo ano vestiu o hábito de Santa Teresa, e no dia 31 de maio de 1949 professou como Carmelita descalça.

Sobre os motivos pelos quais a Irmã Lúcia deixou o Instituto de Santa Dorotéia para ingressar no Carmelo de Coimbra, o Bispo-Conde desta cidade assim se exprime, em carta de 27 de maio de 1948, ao Pe. José Aparício SJ, antigo diretor espiritual da vidente: “De fato, a vidente passou no dia 25 de março para o Carmelo desta cidade, porque o Santo Padre, a pedido dela, ordenou que não levantasse dificuldades à sua transferência, pois era perturbada por inúmeras visitas, algumas das quais bem impertinentes e curiosas, que a atormentavam sem proveito para ninguém. [...] Diz ela que nunca sentiu tanta paz e alegria como naquele asilo, o qual não trocaria por tudo quanto há no mundo. Em vista do desejo do Santo Padre, não recebe cartas nem visitas, mas dou-lhe conhecimento, por escrito, das necessidades de pessoas que se lhe recomendam. Ainda não abri uma exceção. [...] Só é permitido que a visitem os que obtiverem licença da Santa Sé” (cfr. Pe. Luiz Gonzaga Mariz SJ, Fátima, onde o céu tocou a terra, p. 32).


A devoção dos cinco primeiros sábados

No segredo de julho, Nossa Senhora dissera:

— “Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados”.

A mensagem de Fátima não estava, pois, definitivamente encerrada com o ciclo de aparições da Cova da Iria, em 1917.

No dia 10 de dezembro de 1925, a Santíssima Virgem, tendo ao lado o Menino Jesus sobre uma nuvem luminosa, apareceu à Irmã Lúcia, em sua cela, na Casa das Dorotéias, em Pontevedra (Espanha). Pondo-lhe uma das mãos ao ombro, mostrou-lhe um Coração rodeado de espinhos, que tinha na outra mão. O Menino Jesus, apontando para ele, exortou a vidente com as seguintes palavras: “Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar”.

A Santíssima Virgem acrescentou: “Olha, minha filha, o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um terço e Me fizerem quinze minutos de companhia meditando nos quinze mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assisti-los na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 400; Ayres da Fonseca, pp. 350-351; Walsh, p. 196; De Marchi, ed. em inglês, pp. 152-153; Fazenda, pp. X-XI).

No dia 15 de fevereiro de 1926, o Menino Jesus torna a aparecer à Irmã Lúcia, em Pontevedra, perguntando-lhe se já havia divulgado a devoção à sua Santíssima Mãe. A vidente dá conta de dificuldades apresentadas pelo confessor, e explica que a Superiora estava pronta a propagá-la, mas que aquele Sacerdote havia dito que sozinha a Madre nada podia. Jesus respondeu: — “É verdade que a tua Superiora só nada pode, mas com a minha graça pode tudo”. A Irmã Lúcia expôs a dificuldade de algumas pessoas de se confessarem no sábado, e pediu para ser válida a confissão de oito dias. Jesus respondeu: — “Sim, pode ser de muitos mais dias ainda, contanto que, quando Me receberem, estejam em graça e tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria”. A Irmã Lúcia ainda levantou a hipótese de alguém esquecer de formar a intenção ao confessar-se, ao que Nosso Senhor respondeu: — “Podem formá-la na outra confissão seguinte, aproveitando a primeira ocasião que tiverem de se confessar” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 400; Fazenda, pp. XI-XII; Ayres da Fonseca, p. 351; De Marchi, ed. em inglês, p. 153).

Na vigília de 29 para 30 de maio de 1930, Nosso Senhor, falando interiormente à Irmã Lúcia, resolveu ainda outra dificuldade: “Será igualmente aceita a prática desta devoção no domingo seguinte ao primeiro sábado, quando os meus Sacerdotes, por justos motivos, assim o concederem às almas” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 410).

Na mesma ocasião, Nosso Senhor responde a outra consulta que o Pe. José Bernardo Gonçalves SJ dirigira, como a anterior, à Irmã Lúcia: “Por que hão de ser ‘cinco sábados’, e não nove, ou sete em honra das dores de Nossa Senhora?”

“Minha filha, o motivo é simples, são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria:

1º — As blasfêmias contra a Imaculada Conceição;

2º — Contra a sua Virgindade;

3º — Contra a Maternidade Divina, recusando, ao mesmo tempo, recebê-La como Mãe dos homens;

4º — Os que procuram publicamente infundir, nos corações das crianças, a indiferença, o desprezo, e até o ódio para com esta Imaculada Mãe;

5º — Os que a ultrajam diretamente nas suas sagradas imagens” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, pp. 408-410).

A divulgação da primeira e da segunda parte do Segredo

A 17 de dezembro de 1927 Lúcia foi para junto do sacrário, na Capela da Casa das Dorotéias em Tuy, perguntar a Nosso Senhor como satisfaria a ordem do confessor de colocar por escrito algumas graças recebidas de Deus, se nelas estava encerrado o segredo que a Santíssima Virgem lhe tinha confiado. Jesus, com voz clara, fez-lhe ouvir estas palavras: — “Minha filha, escreve o que te pedem; e tudo o que te revelou a Santíssima Virgem na aparição em que falou desta devoção [ao Imaculado Coração de Maria] escreve-o também. Quanto ao resto do segredo, continua o silêncio” (cfr. Memórias e Cartas da Irmã Lúcia, p. 400; Ayres da Fonseca, p. 34).

Em conseqüência da ordem assim recebida, Lúcia revelou o que se passara na aparição de junho.

Mais tarde, em 1941, quando o Bispo de Leiria lhe ordenou que recordasse tudo o mais que pudesse interessar à história da vida de Jacinta, para uma nova edição que queriam mandar imprimir, a vidente, obtida licença do Céu, revelou duas das três partes do segredo de julho.

São suas palavras:

— “O segredo consta de três coisas distintas, duas das quais vou revelar.

A primeira foi, pois, a vista do inferno”.

E segue-se a narração das duas partes do segredo, conforme a reproduzimos no devido lugar, ao relatar a aparição de julho (cfr. III Memória, pp. 216-220; Ayres da Fonseca, pp. 43-44; Galamba de Oliveira, p. 146).

O itinerário da terceira parte do Segredo até a sua divulgação oficial


Quanto à terceira parte do Segredo, a vidente escreveu-a na Casa das Dorotéias, em Tuy (Espanha), no dia 3 de janeiro de 1944, ao que parece numa folha só de papel de carta pautado, dobrada ao meio, de modo a constituir um fólio de 4 páginas (no formato aproximado de 12 x 18 cm, com 16 pautas por página). Sabe-se que a Irmã Lúcia o fez a instâncias do Bispo de Leiria, por ocasião de uma grave enfermidade por que passou, conforme já historiamos na Introdução deste trabalho.

Em carta do dia 9 de janeiro, a Irmã Lúcia comunicou ao Prelado que o texto estava redigido e à disposição dele, num envelope lacrado, do modo que ele determinara.

No dia 17 de junho, a pedido do Bispo de Leiria, o Bispo titular de Gurza, D. Manuel Maria Ferreira da Silva, dirigiu-se para Valença, cidade portuguesa limítrofe com Tuy, à margem do Rio Minho. Ali, no Asilo Fonseca, recebeu das mãos da Irmã Lúcia, que também para lá se deslocara, o precioso documento. E na mesma tarde o entregou a D. José, na Quinta da Formigueira, casa de campo do Prelado nos arredores de Braga.

Em Leiria, D. José o colocou em outro envelope maior, também lacrado, e o depositou na caixa forte da Cúria. Do lado de fora do envelope maior escreveu: “Este envelope, com seu conteúdo, será entregue a Sua Eminência o Sr. Cardeal D. Manuel, patriarca de Lisboa, após a minha morte. Leiria, 8 de dezembro de 1945. José, Bispo de Leiria”.

Da caixa-forte da Cúria, o documento só saiu em raríssimas ocasiões, simplesmente para ser contemplado por fora por algumas pessoas privilegiadas. De uma dessas ocasiões é a célebre foto do Bispo de Leiria tendo à frente o envelope lacrado. O Prelado consentira em deixar-se fotografar pela revista Life, que a publicou em 3 de janeiro de 1949.

Ao encaminhar o envelope lacrado ao Bispo de Leiria, a Irmã Lúcia escrevera no envelope exterior que ele poderia ser aberto somente depois de 1960, pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria.

Em princípios de 1957, a Sagrada Congregação do Santo Ofício (atual Congregação para a Doutrina da Fé) pediu que o Bispo de Leiria o remetesse para Roma. Levou-o então para a Nunciatura Apostólica em Lisboa o Bispo Auxiliar de Leiria, D. João Pereira Venâncio (cfr. Frère Michel de la Sainte Trinité, tomo III, pp. 320-321). De Lisboa, o Núncio Mons. Fernando Cento, depois Cardeal, conduziu-o até o Vaticano, onde deu entrada no Arquivo Secreto do Santo Ofício no dia 4 de abril de 1957.

Não consta que Pio XII, o qual faleceu em 9 de outubro de 1958, tenha tomado conhecimento do Segredo. O Pe. Leiber, íntimo colaborador desse Pontífice, diz que o boato segundo o qual o Papa teria chorado, ou até desmaiado, ao ler o Segredo, “é inteiramente gratuito; não houve nada disso” (apud J. M. Alonso, La verdad sobre el Secreto de Fátima, p. 43).

Como era natural, à medida que o ano de 1960 ia se aproximando, a curiosidade mundial em torno do Segredo ia aumentando.

No dia 8 de fevereiro de 1960, um despacho distribuído pela Agência Nacional de Informação, de Portugal, louvando-se em declarações de “círculos do Vaticano, altamente fidedignos”anunciava ser “muito provável que o ‘Segredo de Fátima’ seja mantido, para sempre, sob absoluto sigilo”. E esclarecia: “Perante as pressões que têm sido exercidas junto ao Vaticano, afirmaram os mesmos círculos, — umas para que a carta seja aberta e o seu conteúdo revelado ao mundo inteiro; outras, partindo da suposição de que na carta se conteriam vaticínios alarmantes, para que não seja publicada, — o Vaticano resolveu que o texto da carta da Irmã Lúcia não seja revelado, continuando a ser mantido sob rigoroso sigilo” (apud Sebastião Martins dos Reis, O Milagre do Sol e o Segredo de Fátima, pp. 127-128).

O que efetivamente se passara? — No dia 17 de agosto de 1959, João XXIII recebe das mãos do Pe. Pierre Paul Philippe OP (então Comissário do Santo Ofício, depois Cardeal) o envelope contendo o Segredo. Alguns dias depois o lê, com a ajuda do tradutor português da Secretaria de Estado, Mons. Paulo José Tavares (depois bispo de Macau) e decide não publicá-lo, devolvendo-o para o Santo Ofício (cfr. A Mensagem de FátimaApresentação de Mons. Tarcisio Bertone SDB, 26-6-2000; cfr. também Declaração de 20 de junho de 1977 de Mons. Loris Capovilla, secretário-particular de João XXIII, apud Pe. José Geraldes Freire, O Segredo de Fátima: a terceira parte é sobre Portugal?, pp. 136-137).

Também Paulo VI o leu, em 27 de março de 1965, tomando análoga decisão (cfr. Mons. Tarcisio Bertone, loc. cit.).

Em 11 de fevereiro de 1967, o Cardeal Alfredo Ottaviani, então prefeito do Santo Ofício, fez uma conferência — que se tornou famosa — na aula magna da Pontifícia Academia Mariana Internacional, em Roma, numa reunião preparatória do cinqüentenário das aparições de Fátima. Ele contou que estivera com a Irmã Lúcia no Carmelo de Coimbra, em maio de 1955, e perguntara à vidente qual a razão da data de 1960 para a abertura do Segredo. “Porque então ficará mais claro” — respondeu a vidente. “O que me faz pensar — comenta o Cardeal — que a mensagem era de tom profético, porque precisamente as profecias, como se vê na Sagrada Escritura, estão recobertas de um véu de mistério. Elas não são geralmente expressas em linguagem manifesta, clara, compreensível para todo mundo (La Documentation Catholique, Paris, 19-3-67, p. 542).