Porque a Rússia?
Extraído de Permanência Internet
Dom Lourenço Fleichman OSB
Ao iniciarmos a Cruzada do Imaculado Coração de Maria, atendendo ao chamado de Dom Bernard Fellay, Superior Geral da Fraternidade São Pio X, convém procurarmos entender as razões profundas que levaram a Fraternidade a convocar os católicos para tal empresa. Se nossa conversa na saída da missa dominical ou nos salões modernos das listas e blogs se ativer a comentários superficiais, como seria falar da quantidade de terços propostos ou das reais possibilidades do episcopado mundial aceitar realizar tal ato, nós mesmos estaremos fugindo ao essencial. A meu ver o que mais importa nessa hora é analisarmos a questão da Rússia e de sua conversão, pois só assim podemos entender o que significa consagrar essa nação ao Imaculado Coração de Maria.
Para isso proponho abrirmos juntos, como fiz no domingo do Bom Pastor, a 4ª Memória da Irmã Lúcia, para renovarmos nossa lembrança sobre os gravíssimos acontecimentos da Cova da Iria. Fátima é um acontecimento sumamente politico, envolve de modo crucial a vida política dos homens, ou seja, seu modo de viver a vida natural, a paz entre os povos, a guerra e suas consequências. Porém, longe de ser uma análise humana dessas realidades, a Virgem Maria afirma de modo categórico o laço essencial entre o natural e o espiritual, entre a vida da terra e a vida do céu, deixando aos homens, sem gota de sentimentalismos, a única opção verdadeira e fatal: a escolha entre o bem e o mal. A escolha entre a virtude e o pecado. A escolha entre o céu e o inferno. De modo bem diferente dos tempos modernos, imbuído da sua psicologia das paixões ou da sua pedagogia amolecida, Nossa Senhora, como boa Mãe, entende que deve alertar e formar a humanidade através de três criancinhas ignorantes do interior de Portugal. Nessa formação misturam-se de modo impressionante elementos místicos e elementos políticos. Nunca mais seria possível aos homens pretender, sem mentir, que a vida política não se mistura com a Religião. Depois de Fátima fica estabelecida a necessidade premente de uma escolha: ou os homens se convertem e abraçam a fé, ou apostasiam renegando para sempre a Cristo e a sua Igreja. E eles escolheram a perdição.
Na curta passagem das Memórias da Irmã Lúcia que mencionei acima, estão presentes em íntima conexão os seguintes elementos:
- O Imaculado Coração de Maria, desde o início colocado como o pivô de tudo.
- O Terço de Nossa Senhora apresentado como único meio de se conseguir a paz no mundo. Não uma paz qualquer, mas a paz política.
- A visão do inferno e sua relação com o Imaculado Coração de Maria e com a guerra.
- A solução do problema da humanidade: devoção dos primeiros sábados e a consagração da Rússia ao Imaculado Coração.
Vamos ao texto da Irmã Lúcia:
No dia 13 de junho de 1917, na segunda aparição, Nossa Senhora revela para as crianças algo de extraordinário. Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria e quer servir-se da pequena Lúcia para isso. Esse Coração será o refúgio e o caminho que a conduzirá a Deus. E a Virgem Maria mostra às crianças o seu Coração:
"Foi no momento em que disse estas últimas palavras, que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. A frente da palma da mão direita de Nossa Senhora, estava um coração cercado de espinhos, que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação".
Foi assim revelado pela primeira vez, diretamente do céu, o amor Maternal da Virgem Maria, como no século XVII fora revelado o Sagrado Coração de Jesus. Se, naquela ocasião, a presença das heresias do Jansenismo e do Protestantismo pedia uma compreensão, por meio da piedade do povo cristão, do amor humano e divino de Jesus, agora Deus envia sua própria Mãe para mostrar um Coração ultrajado pelos pecados da humanidade. Coisa dura de se ver, a tristeza de um Coração ofendido e que sabe para onde vão seus filhos pecadores. Nossa Senhora vai ensinar às crianças a se sacrificarem e a fazerem reparação pelos pecados.
Estamos agora em 13 de julho, a mais importante das aparições. Os pecados de que trata a Virgem Maria são os pecados que provocam as guerras:
"Quero que venham aqui no dia 13 do mês que vem; que continuem a rezar o Terço todos os dias, em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer.
E continuou: “Sacrificai-vos pelos pecadores, e dizei muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores, e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria.”
Eis, então, o único meio de se obter a paz no mundo: a oração do Terço, a vida espiritual em torno do Coração de Maria. Só ela nos pode valer. Isso significa que de nada adianta os grandes deste mundo se reunirem para decidir sobre o futuro da economia ou das guerras; de nada adianta os pequenos desse mundo fazerem passeatas pela paz, vestidos de branco. Só a Mãe de Deus pode nos valer nesse sentido. E como os homens se recusam a rezar e a obedecer a Deus, vão levando a humanidade à perdição e ao inferno. Em seguida, Nossa Senhora lhes ensina uma oração de sacrificio e reparação. Sem se ater nem por um instante às preocupações superficiais e sentimentais da pedagogia moderna, a Mãe do Céu quer seus menores filhos prontos para o sacrifício e para este ato espiritual muito particular da reparação. Os pastorinhos já tinham sido alertados pelo Anjo de Portugal, em 1916, de que haveriam muito o que sofrer. Eis a oração: "Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria."
Uma vez ensinada a oração de reparação, Nossa Senhora vai mostrar às criancinhas a consequência de tantos pecados. E mostra-lhes o inferno, naquela descrição tocante e sincera de uma criança de 10 anos:
"Ao dizer estas últimas palavras, abriu de novo as mãos, como nos dois meses passados. O reflexo pareceu penetrar a terra, e vimos como que um mar de fogo. Mergulhados nesse fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das fagulhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero, que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa. Assustados e como que a pedir socorro, levantamos a vista para Nossa Senhora, que nos disse, com bondade e tristeza: “Vistes o Inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração."
A Virgem Maria não diz, mas poderíamos acrescentar sem ferir o sentido desses acontecimentos: elas estavam prontas para se sacrificar e para reparar, de modo a evitar que tantas almas caissem naquele poço de horror. A lição estava dada e irmã Lúcia vai viver o resto de sua vida para realizá-la. Mas Nossa Senhora queria lhes falar ainda das coisas políticas e suas consquências. Por isso ela acrescenta:
"Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar. Mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI, começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre."
Eis a primeira constatação: os homens não fizeram o que ela disse às crianças. As almas caem no inferno e o mundo não vive na paz. A guerra terminou e recomeçou em 1939, nos últimos dias de Pio XI, como profetizou o céu. A humanidade apóstata está sendo castigada e não deseja penitência. Todo o esforço da Mãe de Deus tornou-se inútil, até aqui. No entanto, a Virgem Maria tinha dado o remédio para o mal do mundo:
"Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia a Meu Imaculado Coração, e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá, e terão paz. Se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas."
É possível dizer que algum papa tenha feito essa consagração? De fato, houve duas tentativas: Pio XII fez sozinho uma consagração, o que não correspondia ao que irmã Lúcia dava como detalhe desse pedido de consagração, pois Nossa Senhora queria que todo o Episcopado estivesse unido. Já João Paulo II pretendeu unir o episcopado, mas não fez uma consagração da Russia em especial, contra o comunismo. Por isso devemos afirmar que a consagração pedida por Nossa Senhora nunca foi realizada. A segunda constatação é que a Rússia espalhou seus erros pelo mundo, aniquilando muitas nações e martirizando muitos homens de bem. O fato de ter-se quebrado o império soviético não significa que o comunismo tenha desaparecido. Os homens já não precisam mais de exércitos para obrigá-los a serem inimigos de Deus. A revolução cultural e religiosa já se espalhou por toda a terra, e os homens vivem em constante guerra e apostasia da fé.
Daí vem a necessidade extrema de se rezar pedindo a graça dessa consagração. O que está em jogo é o futuro da humanidade, se ainda restar algum tempo para que os homens sobrevivam na terra, e sobretudo, está em jogo a vida eterna, que só pode ser conquistada se o homem servir a Deus na sua vida. A promessa feita por Nossa Senhora se encaixa nesse quadro terrível que constatamos:
"Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz."
É a terceira constatação: Não existe nem nunca existiu, nesses últimos cem anos, o triunfo do Imaculado Coração de Maria. Ele virá, pois trata-se de uma afirmação da Mãe de Deus, mas só poderá vir mediante a realização de suas promessas, as quais estão ligadas necessariamente à uma devoção individual de reparação ao Imaculado Coração, e à consagração de uma determinada nação, a Rússia, ao mesmo Coração maternal.
A quarta constatação é o estado da humanidade e a gravidade desses eventos de Fátima, hoje lembrados de modo tão oportuno pela Cruzada do Imaculado Coração de Maria. Constatamos que o mundo apostasiou da fé. Constatamos que essa apostasia da fé deixou a humanidade à deriva: não há vida moral e não há mais vida religiosa, o Concílio Vaticano II tendo se incumbido de destruir a barreira espiritual que a Igreja antepunha às forças do mal. Os homens encontram-se sem esperança e já não sabem mais o que desejar. Perdeu-se a noção do bem e do mal; perdeu-se a clara distinção racional entre o certo e o errado; sobretudo, já não importa muito aos homens a escolha de um caminho seguro, o céu ou o inferno. Com isso, devemos constatar que a humanidade está preparada para o Anti-Cristo. Quando chegar esse homem do pecado, atrairá todos após si, com uma facilidade, com uma co-naturalidade impressionante. Todos o seguirão, como mostra de modo tão claro o Apocalipse. Nessa hora, é preciso estar armado com a única arma que poderá afastá-lo de nós, que poderá nos defender: o Rosário de Nossa Senhora. Ela disse: só ele poderá valer-nos, como só ela nos vale hoje para obter a paz. Aqueles que estiverem atentos, rezando, pedindo a consagração da Rússia e a intervenção da Virgem Maria, causarão a única frustração possivel para o Anti-Cristo. E ele não poderá nunca ser o mestre de todos os homens. Por causa desses apóstolos dos últimos tempos, o Anti-Cristo será derrotado pelo sopro da boca de Nosso Senhor. Sejamos seus apóstolos, rezemos o Terço na intenção dessa Cruzada, para que possamos ver o triunfo do Imaculado Coração de Maria.
Sem comentários:
Enviar um comentário