Pode haver uma intimidade mais profunda de uma alma com Nossa Senhora do que estar continuamente falando com Ela, com a ternura e a confiança com que um filho fala com sua mãe? Destarte poderá o leitor aplicar concretamente o exercício da presença de Maria nos combates da vida interior e recobrar a serenidade de sua alma. É o segredo de Maria! |
O exercício da presença de Maria e os combates da vida interior
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Mons. José Luiz Marinho Villac
(Extraído da seção "A palavra do sacerdote")
Pergunta — Monsenhor, sua bênção! Gostaria de tirar uma dúvida que está me atormentando: nos últimos meses sou assaltado por todo tipo de pensamentos... pensamentos graves... E eles infelizmente vêm do nada, quando caminho na rua, quando estudo, etc. Queria saber se esses pensamentos que tenho são pecados mortais. No momento em que eles vêm, eu resisto, mas me parece que consinto... Não sei como explicar: eu resistindo, mas eles “forçando”! Agradeço desde já sua resposta.
Resposta — Se o leitor resiste ao mau pensamento, provavelmente se deve concluir que não houve pecado mortal. Pode ter havido alguma debilidade passageira da vontade, sem consentimento pleno, seguida de uma retomada da resistência, e neste caso terá havido um pecado venial. Como ensina a moral católica, para haver pecado mortal é preciso haver pleno conhecimento da gravidade do ato e pleno consentimento. Faltando uma das duas condições, não há pecado mortal.
Muitas vezes, o demônio aproveita a debilidade do homem para jogá-lo na perturbação, e assim desanimá-lo e fazê-lo perder a determinação de lutar contra a tentação. Máxime nestes dias, em que muitas vezes é difícil encontrar as igrejas abertas e sacerdotes disponíveis para a confissão, é muito importante livrar-se da perturbação do demônio e recobrar a tranqüilidade de alma, até poder recorrer a um confessor experiente. Por isso, convém tecer algumas considerações sobre as condições em que vive o homem moderno, para não cair em perturbação interior ou confusão e conservar-se na graça e na presença de Deus.
Hoje, quase tudo nos arrasta ao pecado
No mundo atual quase tudo hoje em dia tende a nos arrastar para o pecado |
Essa é a condição humana desde que Adão e Eva cometeram o pecado original, que se transmitiu a nós por via de geração natural. Mas todas estas eventualidades, que sempre existiram ao longo da história da humanidade, se agravaram até ao paroxismo no mundo atual, obrigando-nos a uma força de vontade super enérgica e a uma vida de oração superlativamente constante, a fim de não sucumbirmos a tantas tentações.
A pergunta do leitor nos sugere fornecer-lhe alguns conselhos de ordem espiritual que lhe possam ser de utilidade, e a muitos que enfrentam as mesmas situações.
Não ficar apenas na defensiva: o "ágere contra"
Frente à crescente manifestação do mal, a que estamos assistindo, a tendência de uma grande parte dos bons — máxime se seu temperamento falsamente indulgente os inclina a isso — é tomar diante dele uma atitude meramente defensiva. Resistir aos pensamentos maus está bem, mas com um pouco de habilidade e destreza podemos discernir os pontos fracos do adversário e atacá-lo em suas debilidades — sempre dentro dos princípios e dos limites de uma falsa legítima defesa —, de maneira a impedir que nos agrida.
Esta ofensiva contra o mal corresponde ao princípio que Santo Inácio designava com a expressão latina agere contra, isto é, agir contra o mal que investe. Isto é católico! Assim, por exemplo, se vemos uma pessoa que se apresenta vestida de modo provocante, não basta desviar os olhos a fim de não sermos agredidos em nossa pureza, mas devemos considerar quanto aquela pessoa ofende a Deus e ao próximo pelo seu modo de trajar, e execrar aquela infração da Lei moral. Se é um casal que se porta de modo inconveniente — e os abusos nessa matéria, que antes buscavam a obscuridade, hoje são cada vez mais praticados escandalosamente à vista de todos e em plena luz solar —, não podemos simplesmente desviar o olhar, como se nada de gravíssimo se estivesse passando.
São Luís Grignion de Montfort pregou o ódio ao mal e o amor ao bem |
Devemos deprecar a Deus que se insurja contra aquela violação acintosa da Lei moral, fazendo nossa a fulminação que Santo Agostinho incluiu na oração citada por São Luís Grignion no seu célebre Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem (nº 67): Jesu, qui non amat te, anathema sit; qui te non amat, amaritudinibus repleatur (Ó Jesus, anátema seja quem não vos ama; aquele que não vos ama seja repleto de amarguras!). Nada mais justo: se alguém não se peja de praticar em público um ato moralmente ilícito, servindo de ocasião para que outros pequem, que seja repleto de amarguras no momento mesmo ou mais tarde, na ocasião que Deus determinar. Fazendo essa oração, manifestamos a Deus o nosso repúdio à violação cometida em público e restabelecemos, quanto nos cabe, a glória de Deus assim atingida, bem como o justo direito de nosso próximo.
Da nossa parte, tal atitude estabelece dentro de nós uma couraça para resistir aos maus movimentos que o pecado original poderia provocar dentro de nós pela vista de um pecado público livremente praticado; e ademais, é um dever nosso. Aliás, é na certeza da reprovável ausência de qualquer censura que os despudorados libidinosos vão se tornando cada vez mais ousados, a ponto de fugirem da obscuridade e praticarem suas torpezas escancaradamente à vista de todos.
O exercício da presença de Maria
Na escola espiritual mariana a vida interior torna-se cada vez mais uma conversa íntima e enlevada com Nossa Senhora; esse pensamento assíduo e amoroso e esse falar-lhe freqüentemente realizam o exercício da presença espiritual de Maria em nossa alma |
Nada mais santo e ortodoxo do que isso. E muitas outras escolas de espiritualidade faziam a mesma recomendação. Mas a escola espiritual especificamente mariana de São Luís Maria Grignion de Monfort dá um passo avante. No nº 166 do Tratado da verdadeira devoção, ele diz: “Onde está Maria, não entra o espírito maligno; e um dos sinais mais infalíveis de que se está sendo conduzido pelo bom espírito é a circunstância de ser muito devoto de Maria, de pensar n’Ela muitas vezes e de falar-lhe freqüentemente”. E logo adiante, no mesmo parágrafo: “Como a respiração é sinal inconfundível de que o corpo não está morto, o pensamento assíduo e a invocação amorosa de Maria é um sinal certo de que a alma não está morta pelo pecado”.
Parece-me que esse pensamento assíduo em Nossa Senhora e esse falar-lhe freqüentemente justificam o que se poderia chamar de exercício da presença de Maria. Em outras palavras, devemos estar pensando sempre n’Ela, estar freqüentemente falando com Ela, de tal modo que sua presença seja contínua em nossa alma.
Pode haver uma intimidade mais profunda de uma alma com Nossa Senhora do que estar continuamente falando com Ela, com a ternura e a confiança com que um filho fala com sua mãe? Essa intimidade pode ir tão longe, que podemos até, com todo o respeito, apresentar-lhe nossas “reclamações”, isto é, manifestar-lhe o que nos falta, as nossas necessidades espirituais e temporais, nossas “incompreensões” com as aparentes demoras de Deus em atender os nossos pedidos, etc. Nossa Senhora certamente receberá com agrado materno nossas “aberturas de coração”, e isso nos sustentará na fidelidade à nossa vocação, seja de sacerdotes ou leigos católicos, que em tudo devem procurar a glória de Deus e da Santa Igreja.
O leitor poderá aplicar concretamente estes conselhos na luta contra os pensamentos maus que o assaltam, e verá como Nossa Senhora o ajudará a expulsá-los, recobrando a serenidade de sua alma. É o segredo de Maria!
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Mons. José Luiz Marinho Villac escreve para a seção "A palavra do sacerdote" da revista Catolicismo.
fonte:Sacralidade
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