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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

BENTO XVI: Hoje, os cristãos são chamados a tornar-se testemunhas de oração, precisamente porque o nosso mundo se encontra muitas vezes fechado ao horizonte divino e à esperança que contém o encontro com Deus

PAPA BENTO XVIAUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VIQuarta-feira, 30 de Novembro de 2011

A oração atravessa toda a vida de Jesus
Queridos irmãos e irmãs,
Nas últimas catequeses reflectimos sobre alguns exemplos de oração no Antigo Testamento, e hoje gostaria de começar a olhar para Jesus, para a sua oração, que atravessa toda a sua vida, como um canal secreto que irriga a existência, as relações e os gestos, e que O guia, com firmeza progressiva, rumo ao dom total de Si mesmo, segundo o desígnio de amor de Deus Pai. Jesus é o Mestre também das nossas orações, aliás, Ele é o nosso sustento concreto e fraterno, cada vez que nos dirigimos ao Pai. Verdadeiramente, como resume um título doCompêndio do Catecismo da Igreja Católica, «a oração é plenamente revelada e realizada em Jesus» (nn. 541-547). Nas próximas catequeses desejamos olhar para Ele.
Um momento particularmente significativo deste seu caminho é a oração que se segue ao baptismo, ao qual se submete no rio Jordão. O Evangelista Lucas escreve que Jesus, depois de ter recebido, juntamente com todo o povo, o baptismo das mãos de João Baptista, entra numa oração extremamente pessoal e prolongada: «Todo o povo tinha sido baptizado; tendo Jesus sido baptizado também, e estando Ele a orar, o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele» (Lc 3, 21-22).

Precisamente este «estar em oração», em diálogo com o Pai, ilumina a obra que Ele realizoujuntamente com muitos do seu povo, que acorreram à margem do Jordão. Rezando, Ele confere a este seu gesto, do baptismo, uma característica exclusiva e pessoal.
João Baptista tinha dirigido um apelo vigoroso a viver verdadeiramente como «filhos de Abraão», convertendo-se para o bem e produzindo frutos dignos de tal mudança (cf. Lc 3, 7-9). E um grande número de israelitas moveu-se, como recorda o Evangelista Marcos, o qual escreve: «Saíam ao seu encontro [de João] todos os habitantes da Judeia e de Jerusalém, e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados» (Mc 1, 5). João Baptista anunciava algo realmente novo: submeter-se ao baptismo devia marcar uma mudança determinante, abandonar um comportamento ligado ao pecado e começar uma vida nova. Também Jesus acolhe este convite, entra na multidão triste dos pecadores que esperam à margem do Jordão. Mas, como aos primeiros cristãos, também em nós surge a interrogação: por que Jesus se submete voluntariamente a este baptismo de penitência e de conversão? Não tem pecados para confessar, não tinha pecados, e portanto também não tinha necessidade de se converter. Então, por que este gesto? O Evangelista Mateus descreve a admiração de João Baptista, que afirma: «Eu é que tenho necessidade de ser baptizado por ti e Tu vens a mim?» (Mt 3, 14), e a resposta de Jesus: «Deixa por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça» (v. 15). O sentido da palavra «justiça» no mundo bíblico é aceitar plenamente a vontade de Deus. Jesus mostra a sua proximidade àquela parte do seu povo que, seguindo João Baptista, reconhece que é insuficiente o simples considerar-se filho de Abraão, mas quer cumprir a vontade de Deus, deseja comprometer-se para que o seu comportamento seja uma resposta fiel à aliança oferecida por Deus em Abraão. Então, descendo ao rio Jordão, Jesus sem pecado torna visível a sua solidariedade para com aqueles que reconhecem os próprios pecados, escolher arrepender-se e mudar de vida; faz compreender que pertencer ao povo de Deus significa entrar numa perspectiva de novidade de vida, de vida segundo Deus.
Neste gesto, Jesus antecipa a cruz, dá início à sua actividade assumindo o lugar dos pecadores, carregando sobre os seus ombros o peso da culpa da humanidade inteira, cumprindo a vontade do Pai. Recolhendo-se em oração, Jesus mostra o vínculo íntimo com o Pai que está nos Céus, experimenta a sua paternidade, captura a beleza exigente do seu amor e, no diálogo com o Pai, recebe a confirmação da sua missão. Nas palavras que ressoam do Céu (cf. Lc 3, 22) há a referência antecipada ao mistério pascal, à cruz e à ressurreição. A voz divina define-o «O meu Filho muito amado», evocando Isaac, o amadíssimo filho que o pai Abraão estava disposto a sacrificar, segundo a ordem de Deus (cf. Gn 22, 1-14). Jesus não é só o Filho de David, descendente messiânico real, ou o Servo do qual Deus se compraz, mas é também o Filho unigénito, o amado, semelhante a Issac, que Deus Pai oferece para a salvação do mundo.

No momento em que, através da oração, Jesus vive em profundidade a própria filiação e a experiência da paternidade de Deus (cf. Lc 3, 22b), desce o Espírito Santo (cf. Lc 3, 22a), que o guia na sua missão e que Ele efundirá depois de ter sido elevado na cruz (cf. Jo 1, 32-34; 7, 37-39), para que ilumine a obra da Igreja. Na oração, Jesus vive um contacto ininterrupto com o Pai, para realizar até ao fim o desígnio de amor pelos homens.
No fundo desta oração extraordinária encontra-se toda a existência de Jesus, vivida numa família profundamente ligada à tradição religiosa do povo de Israel. Demonstram-no as referências que encontramos nos Evangelhos: a sua circuncisão (cf. Lc 2, 21) e a sua apresentação no templo (cf. Lc 2, 22-24), assim como a educação e a formação em Nazaré, na casa santa (cf. Lc 2, 39-40 e 2, 51-52). Trata-se de «cerca de trinta anos» (Lc 3, 23), um tempo prolongado de vita escondida e útil, embora com as experiências de participação em momentos de expressão religiosa comunitária, come as peregrinações a Jerusalém (cf. Lc 2, 41). Narrando-nos o episódio de Jesus no templo quando tinha doze anos, sentado no meio dos doutores (cf. Lc 2, 42-52), o Evangelista Lucas deixa entrever como Jesus, que reza depois do baptismo no Jordão, tem um prolongado hábito de oração íntima com Deus Pai, arraigada nas tradições, no estilo da sua família e nas experiências decisivas nela vividas. A resposta do menino de doze anos a Maria e José já indica aquela filiação divina, que a voz celeste manifesta após o baptismo: «Por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2, 49). Ao sair das águas do Jordão, Jesus não inaugura a sua oração, mas continua a sua relação constante, habitual com o Pai; e é nesta união íntima com Ele que realiza a passagem da vida escondida de Nazaré, para o seu ministério público.
O ensinamento de Jesus sobre a oração deriva, sem dúvida, do seu modo de rezar, adquirido em família, mas tem a sua origem profunda e essencial no seu ser o Filho de Deus, na sua relação singular com Deus Pai. À pergunta: De quem aprendeu Jesus a rezar?, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica assim responde: «Jesus, segundo o seu coração de homem, foi ensinado a rezar por sua Mãe e pela tradição judaica. Mas a sua oração brota de uma fonte secreta, porque Ele é o Filho eterno de Deus que, na sua santa humanidade, dirige a seu Pai a oração filial perfeita» (n. 541).
Na narração evangélica, as ambientações da oração de Jesus colocam-se sempre na encruzilhada entre a inserção na tradição do seu povo e a novidade de uma relação pessoal singular com Deus. «O lugar deserto» (cf. Mc 1, 35; Lc 5, 16) em que se retira com frequência, «o monte» onde sobe para rezar (cf. Lc 6, 12; 9, 28) e «a noite» que lhe permite a solidão (cf. Mc 1, 35; 6, 46-47; Lc 6, 12) evocam momentos do caminho da revelação de Deus no Antigo Testamento, indicando a continuidade do seu desígnio salvífico. Mas, ao mesmo tempo, indicam momentos de importância particular para Jesus que, de modo consciente, se insere neste plano, totalmente fiel à vontade do Pai.

Também na nossa oração temos que aprender, cada vez mais, a entrar nesta história de salvação, cujo ápice é Jesus, renovar diante de Deus a nossa decisão pessoal para nos abrirmos à sua vontade, pedir-lhe a força de conformar a nossa vontade com a sua, em toda a nossa vida, em obediência ao seu desígnio de amor por nós.
A oração de Jesus diz respeito a todas as fase do seu ministério e a todos os seus dias. As dificuldades não a impedem. Aliás, os Evangelhos deixam transparecer um hábito de Jesus, de transcorrer em oração uma parte da noite. O Evangelista Marcos narra uma destas noites, depois do dia pesado da multiplicação dos pães, e escreve: «Jesus obrigou logo os seus discípulos a subirem para o barco e a irem à frente, outro outro lado, rumo a Betsaida, enquanto Ele próprio despedia a multidão. Depois de os ter despedido, foi ao monte para orar. Já era noite, o barco estava no meio do mar e Ele sozinho em terra» (Mc 6, 45-47). Quando as decisões se fazem urgentes e complexas, a sua prece torna-se mais prolongada e intensa. Na iminência da escolha dos doze Apóstolos, por exemplo, Lucas sublinha a duração da oração preparatória de Jesus à noite: «Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer a oração e passou toda a noite a orar a Deus.Quando nasceu o dia, convocou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos» (Lc 6, 12-13).
Olhando para a oração de Jesus, em nós deve surgir uma pergunta: como rezo eu, como oramos nós? Que tempo dedico à relação com Deus? Tem-se hoje uma educação e formação suficiente para a oração? E quem pode ser mestre nisto? Na Exortação Apostólica Verbum Domini falei sobre a importância da leitura orante da Sagrada Escritura. Reunindo o que sobressaiu na Assembleia do Sínodo dos Bispos, pus em evidência especial a forma específica da lectio divina. Ouvir, meditar e silenciar diante do Senhor que fala é uma arte, que se aprende praticando-a com constância. Certamente, a oração é um dom, que todavia é necessário acolher; é obra de Deus, mas exige o nosso compromisso e continuidade; sobretudo, a continuidade e a constância são importantes. Precisamente a experiência exemplar de Jesus mostra que a sua oração, animada pela paternidade de Deus e pela comunhão do Espírito, aprofundou-se num exercício prolongado e fiel, até ao Horto das Oliveiras e à Cruz. Hoje, os cristãos são chamados a tornar-se testemunhas de oração, precisamente porque o nosso mundo se encontra muitas vezes fechado ao horizonte divino e à esperança que contém o encontro com Deus.
Na amizade profunda com Jesus e vivendo nele e com Ele a relação filial com o Pai, através da nossa oração fiel e constante, podemos abrir janelas para o Céu de Deus. Aliás, ao percorrer o caminho da oração, sem uma consideração humana, podemos ajudar outros a percorrê-lo: também para a oração cristã é verdade que, caminhando, se abrem veredas.
Amados irmãos e irmãs, eduquemo-nos para uma relação intensa com Deus, para uma prece que não seja esporádica, mas constante, cheia de confiança, capaz de iluminar a nossa vida, como nos ensina Jesus. E peçamos-lhe que possamos comunicar às pessoas que estão próximas de nós, àqueles que encontramos ao longo do nosso caminho, a alegria do encontro com o Senhor, Luz para a nossa existência. Obrigado!

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